Agro ganha fôlego com proposta de adiar lei antidesmatamento da UE, mas foco é derrubar regra

A proposta da Comissão Europeia de adiar a aplicação da sua lei antidesmatamento deu fôlego aos setores brasileiros que podem ser afetados pelas novas regras, mas deixou pouca margem para comemoração. Para associações que representam as cadeias produtivas, a legislação é prejudicial e precisa ser corrigida ou derrubada. A sugestão de prorrogar para 2026 o início da regra foi anunciada na quarta-feira. A decisão, contudo, ainda precisa passar pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu.
Aprovada pela União Europeia em 2023, a norma proíbe que países do bloco importem produtos provenientes de áreas que foram desmatadas após dezembro de 2020 e estava prevista para começar a valer em 30 de dezembro deste ano.
A lei incide sobre café, soja, óleo de palma, madeira, couro, carne bovina, cacau e borracha. Segundo estimativas do governo federal, a medida pode afetar afetar 34% das exportações brasileiras para a Europa.
A proposta da Comissão Europeia indica que a legislação será adiada, mas não sugere que haverá alterações.

Os setores criticam a falta de detalhamento sobre como a auditoria e fiscalização serão realizadas na prática. A regra exige evidências de que de fato não houve desmatamento naquela propriedade nos últimos anos e prevê elevadas multas para as empresas que não conseguirem se adaptar. No entanto, segundo associações, o texto não explica como isso seria aplicado, dificultando medidas de adaptação.
O Ministério da Agricultura e Pecuária afirmou, em nota, que a decisão da Comissão Europeia “reflete o diálogo internacional, no qual o Brasil teve um papel fundamental ao destacar as preocupações de nossos produtores”.
O pedido da Comissão veio após pressão do Brasil e de outros países produtores de commodities agrícolas, como Indonésia e Costa do Marfim. Representantes do agro brasileiro se reuniram com autoridades locais e internacionais para argumentar que a regulamentação poderia funcionar na prática como uma barreira comercial, atingindo pequenos agricultores e interrompendo cadeias de suprimentos.

Entidades dizem que adiamento ajuda, mas não resolve

O presidente da Aprosoja Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), Maurício Buffon, acredita que nem mesmo a União Europeia está preparada para adotar a regra. Ele integrou comitiva que viajou por países da Europa em setembro e, segundo ele, os órgãos locais não estão equipados para fiscalizar a medida. “Esse adiamento é algo que ajuda, mas não soluciona o problema de vez. Longe disso. O impacto dessa lei é muito grande”, afirma Buffon. “Vamos continuar trabalhando para que seja extinta. É uma legislação que fere todos os tratados internacionais, principalmente a soberania do Brasil”, acrescenta.
Uma das principais queixas é que a norma proíbe, inclusive, a importação de produtos que tiveram origem em áreas desmatadas legalmente. Para Buffon, isso indica uma contradição.
“Nessas áreas, você poderia plantar milho, por exemplo, e eles comprariam. Quer dizer, é um boicote a um setor, olhando mais para reserva de mercado europeu do que para qualquer outra coisa.”
Buffon destaca que a medida tem potencial de provocar uma segregação de produtos no Brasil, já que só a soja produzida em áreas desmatadas antes de 2020 poderia ser exportada. Para aplicar essa exigência, seria necessário um mapeamento de quais regiões são autorizadas a vender para a UE. “Isso é impossível, o Brasil não tem logística para isso”, afirma. “O país já tem um déficit logístico imenso, imagina trabalhar com dois tipos de produto.”
A eurodeputada Anna Cavazzini, vice-presidente da delegação UE-Brasil do Parlamento Europeu, discorda. Ela afirma ainda que o Brasil tem capacidades avançadas em monitoramento e rastreabilidade e, por isso, o país está capacitado para se beneficiar da legislação. “Os proprietários de terras brasileiros podem ganhar participação de mercado sobre concorrentes internacionais que não se preocupam com o desmatamento”, diz.
A proposta de adiamento foi comemorada pelo setor de carne. Para Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), a sugestão da Comissão Europeia foi positiva, pois ainda existem muitas dúvidas.
“O prazo dá mais tempo de preparação. Para nós, especificamente, ele ajuda porque precisamos de um tempo de transição para levar a rastreabilidade que existe hoje para o ciclo de vida completo do animal”, afirma.
No entanto, ele destaca que não se trata de uma norma boa para o Brasil, pois cria custos, burocracia e não ataca diretamente as causas do desmatamento, além de ferir entendimentos da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Avaliação similar é feita pela Abrabor (Associação Brasileira de Produtores e Beneficiadores de Borracha), que vê no adiamento algo positivo, mas questiona se a prorrogação será acompanhada de alguma correção do texto.
A entidade diz apoiar a legislação em linhas gerais, por entender que a questão ambiental é importante e que a regra europeia valoriza a agropecuária sustentável. “Porém, quanto a sua aplicação, entendemos que existem falhas estruturais operacionais que justificam a postergação de sua aplicação”, diz a Abrabor.
Já o Cecafé (Conselho dos Exportadores de Café do Brasil) afirma que a proposta da Comissão é uma conquista. “Sabemos que tem outras etapas, mas que tem uma formalização institucional dessa intenção. Para nós é uma sinalização muito importante”, afirma Marcos Matos, diretor-geral da entidade.
Mesmo as culturas que estão menos expostas a prejuízos com a regra antidesmatamento viram no pedido de prorrogação da medida um motivo para comemorar.
Para Victor Almeida, presidente da Abrapalma (Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma), o movimento da Comissão Europeia foi na direção correta, embora o setor não se preocupasse com a regra do desmatamento. Segundo ele, a palma no Brasil só pode ser plantada em áreas de pastagens degradadas, desmatadas antes de 2008.
“O grande problema é que não está claro como seria a fiscalização, a auditoria e os custos envolvidos, que colocariam vários dos agricultores familiares longe de conseguir chegar dos requisitos”, afirma.
Almeida diz que o setor, se antecipando à aplicação da norma, já adotou um sistema de rastreabilidade documental, com custo estimado de R$ 2,5 milhões por ano.
“Rastreabilidade total no prazo que eles colocaram, para qualquer setor, é inviável. Acho que o novo prazo ajuda os setores a se organizarem, mas também precisa ter um detalhamento melhor de como vai ser checada essa rastreabilidade”, afirma.
A Aimex (Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará) disse, em nota, que a indústria florestal madeireira atua de forma regular e está preparada para cumprir as novas exigências
Por isso, avalia que o desafio da norma europeia estava na falta de clareza das regras e não no cumprimento delas, o que resultaria em um cenário de insegurança jurídica e ambiental.

Fonte: Jornal do Comércio

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