Milho vira alternativa econômica em áreas de arroz irrigado

Uma nova tendência começa a ganhar força nas lavouras da metade sul do Estado. O cultivo de milho irrigado em terras baixas, que vem mostrando resultados promissores em pesquisas que foram retomadas pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), há quase uma década, pode consolidar a introdução desta cultura.

Com produtividades obtidas em pesquisas de até 15 mil quilos de grãos de milho por hectare, que corresponde a mais do que o dobro da média gaúcha nas últimas cinco safras, o cereal vem despertando a atenção de produtores, principalmente por ser mais uma opção para a diversificação de culturas e pelos preços atuais atraentes.

Na semana passada, um roteiro técnico promovido pelo Irga na Estação Regional de Uruguaiana atraiu dezenas de produtores interessados em saber mais sobre a experiência. Na sequência, foram visitadas duas propriedades com milho irrigado em áreas de arroz.

“A troca de informações foi incrível. Estamos com muitas perspectivas com o milho irrigado em terras baixas. Temos verificado uma enorme busca por palestras técnicas sobre o tema, diz a diretora técnica da autarquia, Flávia Tomita.

Segundo ela, a área destinada ao milho irrigado será mensurada pela primeira vez nesta safra, e deverá ser divulgada na abertura da colheita do arroz, em fevereiro.

O movimento é visto com simpatia pelo presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho. Com terras em Mostardas, ele produz arroz em 60% da propriedade, soja em 40% da área e também desenvolve pecuária. Mas já pensa em introduzir uma pequena parcela com milho para ampliar a diversificação.

“É uma alternativa interessante que começa a ser testada mais amplamente. Adicionar milho ao sistema de produção faz bem ao solo, oferece mais uma opção de grão e abre nova janela no fluxo financeiro das propriedades”, diz o dirigente.

Com 50 anos de pesquisas sobre milho, o professor aposentado e consultor técnico do Irga Paulo Régis Ferreira da Silva projeta que a cultura possa percorrer o mesmo caminho da soja, cuja área vem se expandindo rapidamente em rotação com arroz. Na safra 2022/2023, há uma previsão da soja ocupar 505 mil hectares em terras baixas, o que corresponde a um aumento de 20% em relação à área cultivada na safra anterior (2021/22). 

“A área ainda é pequena, mas, pelos movimentos que temos verificado, deverá crescer muito em breve. Temos acompanhado alguns produtores que ampliaram suas lavouras de 80 hectares para mais de 300 hectares. Aos preços atuais e se obtendo alta produtividade, o milho é rentável financeiramente”, analisa Silva, para quem uma colheita a partir de 10 mil quilos por hectare é certeza de um lucro líquido na faixa de R$ 5 mil por hectare.

“Há cerca de dois anos, a saca de 60 quilos era comercializada por valores em torno de R$ 40,00. Nos contratos de venda futura, para entrega do grãos em janeiro-fevereiro de 2023, os negócios estão sendo fechados na faixa de R$ 90,00 a R$ 100,00. Se os preços se mantiverem em patamares próximos a esse, a área semeada com este cereal em terras baixas nos próximos anos deve aumentar consideravelmente, projeta o agrônomo.

As vantagens ficam ainda mais evidentes se comparadas à rentabilidade do arroz, que tem sofrido com os altos custos de produção e preços pagos pelo mercado, considerados insuficientes para sustentar a atividade. Não por acaso, a área e a produção de arroz vem diminuindo gradativamente no RS, com semeadura em 862 mil hectares nesta safra.

O pesquisador explica que uma das grandes vantagens das entradas da soja e do milho no sistema de rotação de culturas com arroz, e na sucessão de culturas para cobertura de solo, para utilização como pastagens ou mesmo para produção de grãos no outono-inverno, como o trigo, é o manejo conservacionista do solo, resultando em maior produtividade do arroz.

Com o cultivo contínuo de arroz durante vários anos, as áreas tornaram-se inviáveis técnica e economicamente, devido à grande infestação de plantas daninhas mas, com a rotação e a sucessão de culturas, que implica uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação, as lavouras de arroz têm ficado mais limpas e produtivas. A rotação de culturas e a integração lavoura-pecuária propiciam aumento de produtividade e diversificação de renda, resultando em melhor gestão dos riscos climáticos e de preços numa propriedade.

“Uma saca de arroz a R$ 70,00 é muito pouco. Mas com a soja a R$ 190,00 a saca, por exemplo, há a garantia de estabilidade de receita ao produtor. Com a entrada do milho irrigado, aos preços atuais e manejado para se ter alta produtividade, os resultados são promissores”, diz Silva.

Irrigação e drenagem adequadas são vitais para a cultura

Embora o plantio de milho em terras baixas tenha potencial para alto rendimento, há alguns desafios importantes para a cultura em áreas de arroz. As plantas de milho, assim como as de soja, não respondem bem a solos ácidos, que são característicos das áreas de arroz irrigado. Por isso, é necessário fazer a correção do pH, além de realizar uma maior adubação, devido ao maior porte das plantas. O milho também é muito sensível ao estresse hídrico, tanto por falta como por excesso de água. Por isso, exige eficientes sistemas de drenagem e irrigação e drenagem.

Segundo o consultor técnico do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) Paulo Régis Ferreira da Silva, há vários métodos de irrigação, sendo a escolha determinada, entre outros fatores, pelas características da área, pela capacidade de investimento do produtor e se o mesmo é proprietário ou arrendatário. Dentre estes métodos, a irrigação pelo sistema sulco-camalhão tem se mostrado promissora, pois assegura a drenagem da área e viabiliza a irrigação, de forma rápida e menos onerosa.

A irrigação é um “seguro” para se obter alta produtividade em milho, afirma o consultor do Irga. Para se obter uma produtividade na faixa de 10 mil quilos a 12 mil quilos por hectare, o desembolso efetuado é alto, variando entre R$ 10 mil e R$ 12 mil por hectare, sendo praticamente o dobro do necessário para o cultivo da soja. Ao preço de venda de R$ 90,00 a saca, a receita bruta gerada com esta produtividade é de R$ 15 mil a R$ 18 mil por hectare, resultando numa margem líquida de R$ 5 mil a R$ 6 mil, que é superior à deixada pelo arroz, aos preços atuais.

Com estações experimentais em Cachoeirinha, Camaquã, Cachoeira do Sul, Santa Vitória do Palmar e Uruguaiana, o Irga é um dos principais protagonistas na geração da informação e na sua difusão aos produtores de milho em áreas de arroz. Neste sentido, a autarquia promoveu, no início do ano, treinamento sobre a cultura a todos os seus extensionistas e, em junho, um seminário em Restinga Seca, para produtores interessados em aderir ao cultivo.

“Temos pesquisas com milho em todas as cinco estações experimentais do Irga, cujo objetivo é identificar os híbridos e o manejo mais adequados a cada uma das seis regiões orizícolas do RS.

As pesquisas para potencializar o cultivo de milho no Estado também se justificam por conta da relação entre produção e consumo do grão, que cresce ano após ano. Neste ano, diz Silva, o RS precisará importar cerca de 3,5 milhões de toneladas do cereal. E o problema será onde buscar, já que Santa Catarina deve ter um déficit de 5 milhões de toneladas, e o custo do frete para buscar produto nos estados do Centro-Oeste, como o Mato Grosso, onde a cotação é de R$ 60,00 a saca, inviabiliza a operação.

“O dilema é: ou o Rio Grande do Sul aumenta sua produção de milho, ou as indústrias de aves e suínos irão migrar para outros estados”, alerta.

O agrônomo também ressalta que, com sucessivas incidências do fenômeno climático La Niña, o cultivo nas regiões norte e noroeste gaúchas tem resultado em baixas produtividades. E, por já dispor de sistema de armazenamento e distribuição de água, o potencial de cultivo do milho e da soja em rotação com o arroz na Metade Sul é enorme.

“Além do mais, nas regiões orizícolas mais quentes do RS (Fronteira Oeste, Região Central e Planícies Costeira Interna e Externa) é viável a sucessão milho-soja na mesma estação de crescimento, com semeadura de híbridos de ciclo hiper-precoce em agosto, com colheita em janeiro, e semeadura de soja em janeiro, com colheita em maio”.

Silva relata experiência exitosa realizada na safra 2021-2022 em Santa Maria, conduzida pelo Professor Enio Marchesan, da UFSM. O milho semeado em agosto de 2021 foi colhido em janeiro deste ano, com produtividade de 11,4 mil quilos por hectare. E a soja semeada logo na sequência produziu 2,7 mil quilos por hectare.

“Essa sucessão de culturas exigiu investimento de, aproximadamente, R$ 16 mil por hectare e gerou uma receita bruta em torno de R$ 28 mil por hectare, uma margem líquida de R$ 12 mil por hectare”, conclui Paulo Régis Silva.

Lavoura pequena, resultado gigante

Buske mostra sua lavoura de milho ao lado da de arroz na área vizinha

Buske mostra sua lavoura de milho ao lado da de arroz na área vizinha

JAIR BUSKE/ARQUIVO PESSOAL/JC

Jair Buske planta 65 hectares de arroz em sua propriedade no município de Agudo, na Região Central. Ali, ele cultiva ainda cinco hectares de soja. E, nesta safra, está ampliando o experimento com milho, iniciado há cerca de uma década, para uma área de 10 hectares.

Após dominar o manejo da água sobre a cultura, Buske passou a colher resultados impressionantes em produtividade e rentabilidade. De quebra, reduziu a infestação por arroz vermelho e voltou a ter lucro com a orizicultura, cujos resultados vinham definhando nas lavouras.

“Éramos adeptos da monocultura, mas há 10 anos introduzimos a soja no sistema de rotação. Pouco depois trouxemos o milho irrigado, em uma pequena área. Mas os resultados econômicos do milho nos fizeram inverter a proporção das terras com a soja. Além da rentabilidade da cultura, que pode proporcionar aumento de 30% na receita em relação ao arroz, o milho também potencializou o solo e as lavouras subsequentes”, comemora Buske.

Ele conta que as produtividade do arroz em suas terras eram de 4 mil quilos por hectare, enquanto o custo de produção não baixa de 8 mil quilos. Mas após cultivar milho por duas safras em uma área, a produtividade do arroz no cultivo seguinte passou a render 10 mil quilos por hectare. E com um custo menor.

“Levei três ou quatro anos para ajustar o manejo hídrico, mas com o milho, consigo obter tranquilamente 12 mil quilos por hectare, com irrigação, escolha do cultivar adequada para as características da região e orientação técnica”, conta.

Na safra passada, entretanto, Buske obteve resultado ainda melhor. Em uma área de cinco hectares plantada com milho em agosto de 2021, ele alcançou produtividade de 15,9 mil quilos por hectare. E ainda plantou uma segunda safra, cujo rendimento ficou em 6 mil quilos por hectare, para por conta do período de plantio e do híbrido escolhido, que foi destinada à venda como silagem.

“Nesta safra, plantei 1,5 hectare daquela fração de terra com arroz, para colher entre 10 mil quilos e 12 mil quilos por hectare. E destinei o restante para o milho novamente, com expectativa de produtividade de 12 mil quilos por hectare. Meu vizinho lindeiro, que colhe 10 mil quilos de arroz por hectare, já comentou que pretende plantar entre seis e oito hectares com milho, no mesmo sistema que uso, por conta dos resultados que tenho obtido”, diz Jair Buske, que garante manter o arroz como principal cultura da propriedade.

Fonte: Jornal do Comércio

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