NESPro leva palestra sobre carne cultivada em laboratório asiático para a Expointer
Doutora em Zootecnia da UFRGS lidera a pesquisa em Singapura
Do laboratório para a mesa do consumidor. O Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da Universidade Federal do Rio grande do Sul (NESPro/UFRGS) vai levar para a 44ª Expointer a produção de carne cultivada de crustáceos, que acontece há quatro anos no laboratório Shiok Meats, em Singapura, na Ásia. O assunto será exposto na 16ª Jornada NESPro & 5º Simpósio Internacional sobre Sistemas de Produção de Bovinos de Corte na palestra “Comercialização de carne cultivada como uma alternativa sustentável”, no dia 8 de setembro, e apresentada pela cientista e líder da equipe de células-tronco da Shiok Meats e doutora em zootecnia pela UFRGS, Ana Carina Vasconcelos, orientada do Prof. Danilo Streit Jr.
O objetivo do trabalho é desenvolver carne cultivada a partir das células troncos do tecido muscular (de onde vem a carne que se come) de crustáceos sem precisar sacrificar os animais, aplicando, dessa forma, o conceito de sustentabilidade. Ela explica que o processo está em fase experimental e por isso ainda é preciso sacrificar os animais para retirar a amostra de interesse e possibilitar uma produção de alimento em escala de laboratório. “A pretensão é que futuramente uma biópsia seja suficiente para coletar esse material”, destaca. No processo, as células troncos são colocadas em um meio de cultura, que é um líquido onde elas se multiplicam e se diferenciam nas fibras musculares, que é exatamente a parte destinada à alimentação. “A finalidade é cultivar o que a gente come evitar que se tire a vida de um animal para ficar com partes”, reforça.
O coordenador do NESPro, Júlio Barcellos, avalia que é importante trazer para um evento como a Expointer os avanços tecnológicos da cadeia produtiva de carne e como isso pode impactar na comercialização e nos padrões de consumo nos próximos anos, a exemplo do que já ocorre com a carne bovina de laboratório, produzida há mais tempo. “Isso é ciência e precisa ser compartilhada com a sociedade e todos os representantes setoriais e lideranças políticas para que percebam os impactos nos mercados e na mudança de hábitos de consumo a médio e longo prazos”, enfatiza. Barcellos também ressalta que a tecnologia não vem para competir com a carne tradicional, mas sim, ser mais uma alternativa.
Milhões em investimento
A pesquisadora esclarece que estão sendo usados caranguejo, lagosta e camarão, mas que já se está ampliando para outras espécies, como ostra, ainda está em fase inicial. A escolha pelos crustáceos é porque é a principal carne consumida na Ásia. Países como Singapura, onde o laboratório funciona, Tailândia, Hong Kong, Indonésia e Austrália têm interesse no produto. Entre as dificuldades, Ana Carina disse que o meio de cultura usado para a multiplicação das células troncos é de alto custo. “Outra dificuldade é que por ser uma pesquisa nova, não tem uma literatura anterior disponível para usar como base, o que é um grande desafio”, relata.
A cientista enfatiza que a tendência é a carne cultivada virar uma protagonista nesse mercado, que tem empresas que investem bilhões de dólares nessas pesquisas. “O laboratório já possui US$ 30 milhões para ingressar na produção em escala comercial daqui a dois ou três anos”, adianta.
Em Israel, existe a única empresa que produz e vende essa carne para restaurantes refinados, cujos valores não são acessíveis à população em geral, mas que, com o passar do tempo, deve se popularizar. “Na carne de hamburger, feita há uns dez anos, o investimento foi de US$ 200 mil e hoje essa mesma unidade está por US$ 50”, compara.
Segundo a FAO, de 2020 a 2050, diante do crescimento da população mundial, a produção de alimentos terá que aumentar em 70% para suprir essa demanda. “É por essa projeção que precisamos ver essa possibilidade como alternativa, pois não se sabe se terá terras para produzir para toda população”, pondera. Ana Carina Vasconcelos tem 34 anos e é mineira de Divinópolis. Está desde junho em Singapura. A pesquisadora também já trabalhou com transplante de células-tronco para salvar espécies em extinção por quase dois anos no Japão, e no Johns Hopkins University, no Instituto de NanoBioTecnologia, por 3 anos, em Baltimore, nos Estados Unidos.