50 anos de histórias do Parque Assis Brasil
Quem passa pela frente do Parque de Exposições Assis Brasil, que chama atenção pelas grandiosas esferas nas cores do Rio Grande do Sul, às margens da rodovia BR 116, na cidade de Esteio (RS), não imagina o desafio que foi consolidar o endereço da Expointer há cinco décadas. Deixar a área localizada no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, onde atualmente está a Secretaria Estadual de Agricultura, para uma fazenda com pouca, para não dizer nenhuma, estrutura foi um período marcado por dúvidas e incertezas.
Se, para a inauguração do Parque Assis Brasil, os participantes precisaram enfrentar adversidades, em 2020, a celebração do cinquentenário não foi diferente. Em ano de pandemia, foi preciso criatividade para propor uma feira alternativa com programação presencial limitada e transmissões virtuais. Atendendo ao posicionamento de seus sócios, a Associação Brasileira de Angus decidiu não participar da Expointer de 2020, tendo em vista a alteração de data que coincidiu com a agenda de leilões de primavera.
Apesar das resistências, a transferência da maior exposição agropecuária da América Latina para o Parque Assis Brasil foi coordenada pelo então secretário de Agricultura Luciano Machado, no ano de 1970, e o espaço foi inaugurado oficialmente no dia 29 de agosto daquele ano. “Estava presente nesse momento, então como presidente da Associação Brasileira Angus. Eu acompanhei de perto esse processo”, relembra o ex-presidente da Angus e criador Antônio Martins Bastos Filho, de 80 anos, que vivenciou toda a evolução do parque e, obviamente, da feira agropecuária propriamente dita. Criador e ex-presidente da Angus, Angelo Bastos Tellechea também acompanhou as transformações do Assis Brasil. “Falar do parque é como abrir um baú. Estive lá desde o início. Sempre reservo alguns dias para estar no ‘Esteio’”, comenta, ao fazer referência à reserva no calendário para estar e vivenciar a exposição.
O movimento de transferência contou, claro, com a participação da Secretaria Estadual de Agricultura, da Farsul e de associações de raças. E o primeiro desafio foi o de encontrar um terreno apropriado. O espaço, onde atualmente está o parque, era a fazenda da família Kroeff, local destinado ao plantio de arroz e à criação de animais, em uma então pequena cidade formada por poucas ruas chamada Esteio. Após negociações, o acordo entre o governo do Estado e o proprietário foi consolidado.
Porém, os apoiadores desse movimento não podiam prever os desafios que precisariam ser encarados antes mesmo da primeira abertura oficial. Bastos Filho recorda que, cerca de 20 dias antes da feira, ocorreu uma tormenta que derrubou praticamente toda a estrutura que havia sido erguida até então no parque. “Tínhamos poucos dias para refazer tudo, ou o que dava. A outra alternativa era desistir da ideia. Houve uma divisão. A Secretaria refez e ergueu o que era possível. As baias para os cavalos, por exemplo. Mas aí veio a segunda tormenta, às vésperas do início da mostra. Como era uma lavoura de arroz, o parque ficou todo inundado. Mas daí não havia mais como retroceder”, relembra. Claro que, naquele momento, a estrutura era mínima, se comparada à grandiosidade de pavilhões existentes nos dias atuais.
Proprietária da Cabanha Santa Bárbara, de São Jerônimo (RS), a criadora Carla Sandra Staiger Schneider também marcou presença na primeira edição da Expointer no Parque Assis Brasil. Com uma precisão de detalhes, a pecuarista lembra que na exposição de 1970 o padrão dos exemplares Angus ainda era escocês. “Os animais eram graxentos, baixinhos, curtos e muito peludos. Assim, devido à quantidade de barro gerada pela chuva na pista de julgamento com leivas de grama recém-colocadas, esses animais afundavam até a barriga”, relata.
E, assim, ocorreu a primeira Expointer no parque, que ainda não era chamado de Assis Brasil, batismo que veio anos depois. “Com uma estrutura precária, mas com muita boa vontade de fazer a exposição e leilões mesmo com as poucas condições”, comenta Bastos. “Era uma tomada de decisão difícil, mas ele (Luciano Machado, então secretário de Agricultura) foi obstinado em fazer a mudança”, enfatizou Antoninho Bastos.
Tellechea também recorda a complicada inauguração, em 1970. “O lançamento foi difícil porque choveu muito. Meu pai (Francisco Tellechea) e o secretário Luciano Machado eram alguns dos entusiastas da mudança, mas sofriam questionamentos fortes de muitos. A gente quase enterrava até o tornozelo no barro”, recorda. O criador relembra ainda, com carinho, o apoio e incentivo que o seu pai deu ao secretário, mesmo diante das críticas. “‘Fique tranquilo que tem muito futuro aqui’, meu pai falou”, relata.
Segundo Carla, a região dos pavilhões dos animais, pistas de julgamentos e locais de leilões costumava ficar alagada durante o inverno. “Como era agosto, época do final do inverno, a terra era fofa e havia chovido. Em todo lugar onde tinha movimento de animais, veículos e pessoas, formava-se muito barro, um problema que foi apenas parcialmente resolvido nos 50 anos de existência do Parque Assis Brasil. Digo parcialmente, tendo em vista que há poucos anos o Jornal Zero Hora publicou uma fotografia de um jet-ski andando na pista do Freio de Ouro do cavalo crioulo”, explica.
A discussão em torno da troca do local, à época, ia além de apenas um espaço. Ela girava em torno de um divisor de águas para o agronegócio, com a mudança de uma feira de exposições para uma feira internacional, já prevista por apoiadores. E esse processo se confirmou na prática. Dois anos após a inauguração, a exposição de animais se tornou internacional. A troca foi fundamental para potencializar a mostra, uma vez que as dimensões do espaço no bairro Menino Deus impunham restrições, entre outros fatores. “Imagina o trânsito no meio do Menino Deus. Nunca conseguiríamos. Teríamos outras dificuldades também com o crescimento”, recorda Antoninho Bastos. “Foi uma mudança acertada. Imagina 20 mil pessoas no parque do Menino Deus”, brinca.
O atual subsecretário do parque, o médico-veterinário José Arthur Martins, reconhece a importância da mudança de endereço, o que alterou a configuração, mérito, função e perfil da Expointer. “O parque foi se desenvolvendo junto com a expansão da feira”, ressalta. Até 1970, era apenas uma exposição de animais. Com a evolução, a exposição agregou um novo componente que é a venda de máquinas agrícolas, reconhecida fonte de negócios e responsável por boa fatia da movimentação financeira. Já no final da década de 90, chegou a agricultura familiar e, mais recentemente, em 2005, entrou o quarto componente, o estabelecimento de fóruns de discussão do agronegócio, muitos deles promovidos pelas entidades e associações presentes no local, como a Angus.
Segundo Bastos Filho, para atender a essas alterações, o perfil do parque também precisou sofrer adaptações. Um exemplo foi o grande número de associações que montaram sede própria no local, movimento iniciado pela Angus um ano depois da inauguração, em 1971, como forma de aproximar-se do público e cativar novos criadores. Em 1972, o espaço já estava de portas abertas para receber os criadores. No local, passaram a ser realizadas as assembleias da raça para aproveitar a presença dos criadores que estavam na exposição. A importância do estande foi tanta que a casa da Angus se tornou um ponto de encontro de figuras relevantes que visitavam o parque. Em 1973, o então presidente da Angus, Lauro Dornelles de Macedo, levou o presidente Ernesto Geisel e o governador Euclídes Triches ao estande. O movimento acabou abrindo precedente para outras raças, que nos anos seguintes inauguraram seus próprios estantes.
Em 1997, o estande chegou a abrigar a sede da associação, que deixou a cidade de Uruguaiana. A duração foi pequena, uma vez que, dois anos depois, a Angus se mudou definitivamente para Porto Alegre. Mesmo assim, o espaço erguido no parque segue sendo referência nos dias de Expointer. É onde, além de encontros entre criadores, é montada uma agenda específica de atividades, reuniões e, claro, de confraternização.
A passagem do então presidente Ernesto Geisel pelo parque em 1978 rendeu uma das memórias mais emblemáticas para a proprietária da Cabanha Santa Bárbara. Naquele ano, Geisel fez a entrega da roseta de Grande Campeã a uma fêmea da propriedade. O presidente estava acompanhado de Sinval Guazzelli, na época governador do Rio Grande do Sul, e de uma comitiva de políticos.
A raça Angus cresceu com o parque, como reflexo não apenas da participação, mas de um reconhecimento cada vez maior do público, que marca presença nas pistas no momento dos julgamentos e nas baias dos animais. A Angus também se destacava durante as exposições pela escolha dos jurados, principalmente os estrangeiros, como argentinos e americanos. Convidar jurados de fora e com grande experiência com a raça era uma maneira de alavancar a competição, além de trazer mais atenção aos animais. Até o processo de escolha era motivo de acaloradas discussões. Normalmente, o criador que tinha o seu animal premiado queria manter o mesmo jurado no ano seguinte.
Tradicional criador, Bastos Filho orgulha-se de dizer que sempre esteve presente na Expointer. “Eu estava lá do primeiro ao último dia”, recorda, destacando que, apesar de as pistas serem formadas apenas de feno e pasto, funcionavam. “À frente da Angus como criador, expositor ou jurado, eu sempre participei”, recorda, lamentando a ausência de uma feira presencial em 2020.
Na presidência da Associação Brasileira Angus, Angelo Tellechea lembra com alegria o fato de ter colocado em funcionamento, em 1993, o primeiro restaurante da Associação Brasileira de Angus no parque, espaço que tinha até um chef grill. “Conseguimos expor uma carne de muito boa qualidade. Era batalhada a coisa, mas foi um destaque”, disse. Na sede da associação, o restaurante segue operando, sendo um ponto de encontro e confraternização de criadores e daqueles que acompanham a evolução da raça. A relação do criador Angelo Tellechea com a exposição e o parque também perpassa o tempo. Esteve participando como criador, gestor de empresas, apesar de, por opção, não levar mais animais para Esteio. “Mas nunca deixei de ir. É sempre um momento de rever os conhecidos, ver o progresso da raça e da agropecuária como um todo. Sempre há novidades, como a questão das máquinas”, cita o criador.
Na mesma linha, o subsecretário do parque declara seu afeto por essa grande mostra do agronegócio: “É um local que reúne as pessoas, todos os integrantes da cadeia do agronegócio. Ao mesmo tempo, é o espaço escolhido para sediar os grandes lançamentos de produtos, por exemplo, do agronegócio nacional e internacional”, complementa.
Além disso, o espaço agrega ao aproximar o público urbano do rural. “Temos aquele público que vai durante o dia. Aquele que enche o parque. Há uma questão de comportamento da população urbana que vai à exposição ver, vivenciar ou resgatar o passado”, acrescenta Martins.
Algumas mudanças ocorreram nas pistas e na agenda da Angus ao longo destes muitos anos de Expointer. Segundo Carla, em termos de julgamentos, uma das grandes evoluções foi a obrigatoriedade de os animais serem tosados para participar da exposição. “Isso porque o pelo, além de indesejável num país como o Brasil, tapa a verdadeira conformação dos bovinos e, enquanto era aceito, alimentava um mercado de preparadores especializados em tosas estruturais. Eles são uma espécie de cabeleireiros de bovinos aptos a corrigir ou maquiar imperfeições ou carências”, relata Carla. Outra recordação é dos tempos do leilão Golden Angus, quando criadores levavam seus animais de ponta para venda em Esteio.
A Angus e o Parque Assis Brasil
1971
A associação debate a possibilidade de ter um estande no parque. No mesmo ano, traz como jurado da exposição o argentino Horacio Gutiérrez.
1972
A Angus já tem um estande, adquirido com a Trajano Silva Remates. Também neste ano, ocorre a primeira assembleia de criadores.
1973
O presidente da Angus, Lauro Dornelles, leva o presidente Ernesto Geisel e o governador Euclides Triches à Casa da Angus no Parque Assis Brasil.
1975
A Angus traz como jurado o americano Herman Purdy, um dos maiores especialistas em genética da raça.
1978
Ao lado do governador Sinval Guazzelli, o presidente Geisel entrega roseta a vencedores da raça Angus.
1990
Angus lança o slogan Angus: A Raça Completa.
1992
Na gestão de Reynaldo Salvador, o estande da Angus é reformado, abrindo duas frentes: uma para o boulevard outra para o galpão. Naquela época, também foi criada a loja de produtos Angus.
1993
Na gestão de Angelo Tellechea, é inaugurado o restaurante no estande da Angus, como uma maneira de mostrar aos público a qualidade da carne. O americano Gary Minish participa novamente como jurado, porém, com uma diferença: tradução simultânea.
1997
A sede da Angus é transferida de Uruguaiana para Esteio, em um processo de aproximação com os demais estados. Lá ficou por dois anos, até se mudar oficialmente para Porto Alegre.
2005
Na gestão do José Paulo Cairoli, lança-se a Copa Incentivo para estimular a adesão de novos criadores nos julgamentos.
2010
Sede no Parque Assis Brasil é ampliada, ganhando andar superior para abrigar os sócios. Projeto liderado pelo presidente Joaquim Francisco Bordagorry de Assumpção Mello.
2013
Na gestão de Paulo de Castro Marques, Expointer marca início das comemorações dos 50 anos da Angus e estande passa por nova reforma.
2016
Presidente José Roberto Pires Weber coordena ampliação do estande da Angus com inauguração de terraço.
2019
Primeiro julgamento da Raça Ultrablack na Expointer.
2020
Atendendo posicionamento de seus sócios, a Angus não participou da Expointer, em função da pandemia e do acaso de as datas da exposição deste ano coincidirem com a Temporada de Remates de Primavera.
Fonte: Associação Brasileira de Angus