Planalto terá trabalho para contornar crise com leilões de arroz
O governo federal terá trabalho para contornar os estragos políticos causados pelos movimentos em torno dos polêmicos leilões de importação de arroz. Criticado por produtores, indústrias e, claro, por parlamentares de oposição, o pregão, questionado em diferentes esferas jurídicas, foi realizado em 6 de junho e acabou anulado cindo dias depois. As suspeitas de irregularidades levaram à demissão do então secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Neri Geller.
Fontes consultadas pelo Jornal do Comércio avaliam que a insistência na realização do certame deve custar caro ao Palácio do Planalto na relação com o agronegócio. Mesmo alertado que a quantidade do cereal colhida no Rio Grande do Sul antes da catástrofe climática era suficiente para garantir o abastecimento interno, o Mapa firmou convicção na necessidade da compra, para forçar a queda nos preços, que tiveram movimento de alta em maio.
Analistas ponderam que antes de anunciar a autorização para importação de até 1 milhão de toneladas, talvez o governo devesse ter buscado uma forma de apoiar o escoamento da produção estocada no sul do Brasil. O trânsito de mercadorias pelas rodovias já foi restabelecido. Mas a posição anunciada pelo presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, e pelos titulares do Mapa, Carlos Fávaro, e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, na coletiva que anulou o pregão, foi de intenção de lançar novo edital.
“Num primeiro momento, não tinha como tirar o arroz do Rio Grande do Sul, onde estavam 78% da produção. Então, tinha uma preocupação por parte do governo, e ela era factível. Com o tamanho da enchente, que foi violento, o estrago na logística foi forte também. E o preço subiu muito. O Mercosul começou a se aproveitar, segurou as exportações para o Brasil. Mas depois de que resolveu a questão de logística, poderia ter subsidiado a retirada do Rio Grande do Sul para outros lugares, através de mecanismo de apoio”, pondera um interlocutor do JC.
Em seu perfil no Instagram, o governador Eduardo Leite postou um comentário ponderando que a anulação do leilão pode ser uma “oportunidade muito importante para uma reflexão melhor sobre o movimento de aquisição do cereal e, principalmente, de um diálogo mais aprofundado com o setor produtivo gaúcho, que responde por mais de 70% da produção de arroz no Brasil”.
Leite ressaltou a fragilidade que acomete o Rio Grande do Sul no pós-cheias e também que a maior parte da safra gaúcha de arroz já havia sido colhida, garantindo o abastecimento para o Brasil.
“Esperamos que a oportunidade seja aproveitada pelo governo federal em benefício do Rio Grande do Sul e do Brasil”, disse Leite, tentando manter um tom de entendimento ante um ambiente conflagrado entre o Planalto e o setor.
Nesse ambiente conflagrado, prospera a incerteza no mercado. Indústrias esperam pela entrada anunciada de arroz com menor preço, produtores antecipam vendas. E, com a anulação dos leilões, todos os parâmetros vão por água abaixo.
“E uma coisa que tem que ficar clara é essa: o mercado é soberano. A gente sempre fala isso, o mercado busca o ajuste. O Brasil inteiro estava com interesse na cultura do arroz. O estado do Mato Grosso dobrou a área de arroz, vai ter um avanço de quase 60% na produção. Estado do Tocantins também, um grande avanço de área, boas rentabilidades. A produção nacional é projetada em 10,3 milhões de toneladas, maior do que a produção do ano passado”, diz o analista do cereal da Safras & Mercado Evandro Silva.
Ele aponta que o consumo brasileiro de arroz está longe de corresponder às 11 milhões de toneladas propaladas pela Conab ao justificar a necessidade dos leilões.
“O nosso número de consumo doméstico é de 10,4 milhões de toneladas. O consumo interno brasileiro vem caindo 1% a cada ano. Com sorte a gente tem 10,5 milhões de toneladas. Então nós teríamos uma temporada de produção ajustada ao consumo, mais importações de 1,8 milhão de toneladas. Exportações, com sorte, que deveriam atingir 1,2 milhão de toneladas. Então nós teríamos sim uma oferta maior do que a demanda”.
Conforme o especialista, o País chegaria em 2025 com estoques de passagem na casa de 1,2 milhão de toneladas, maior volume em quatro anos. E que o mercado já estava buscando cenário de equilíbrio. Mas, agora, com a entrada do governo e a desorganização do ambiente de negócios, o momento é de imprevisibilidade.
“Ninguém sabe o que fazer. E essa semana, provavelmente até o final da semana, vai ser isso”, conclui Silva.
Fonte: Jornal do Comércio