RS comemora dois anos como área livre de febre aftosa sem vacinação

Sétimo maior produtor de carne bovina do País, o Rio Grande do Sul exportou US$ 443 milhões em 2022. O saldo representou 3,4% do total nacional no período, de US$ 13 bilhões, com 2,89 milhões de toneladas do produto, e se deve, muito, à conquista do status de área livre de febre aftosa sem vacinação. O reconhecimento dessa condição pela Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa), que completou dois anos neste sábado (27), é um trunfo do estado na disputa por mercados e um orgulho para o serviço veterinário oficial.

Há 10 dias, Brasil e Chile assinaram um acordo de cooperação visando a adoção do sistema de “pre-listing” para habilitação de estabelecimentos exportadores de carnes bovina, suína, ovina e de aves. Com isso, a habilitação sanitária de frigoríficos para exportação será feita pelo próprio país exportador, em conformidade com as regras do país importador. O sistema desburocratiza o acesso de novas plantas exportadoras ao mercado chileno, dispensando a necessidade de habilitação e inspeção individual por autoridades chilenas. Em fevereiro, após visita técnica ao Rio Grande do Sul, o órgão sanitário animal do governo chileno avalizou a sanidade e a qualidade da cadeia de controle de doenças do estado, o que representou um primeiro passo para a exportação de carne com osso e miúdos para aquele país.

Diretora do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul (Seapi), a médica veterinária Rosane Collares diz que a certificação internacional como área livre da doença sem vacinação deve ser celebrada. “É a confirmação de que o nosso serviço está em um seleto grupo do circuito não aftósico. Manter os rebanhos sadios é o propósito da nossa atividade. Sustentar uma certificação, muitas vezes, é mais difícil que conquistá-la”.

Ela destaca que o reconhecimento da Omsa ocorreu em meio à pandemia de Covid-19, o que atrasou processos como a vinda de missões internacionais para avaliar as condições da cadeia produtora de carne gaúcha. A aprovação pelos chilenos foi um sinal a outros mercados. Desde então, os governos da República Dominicana e do México, este último no final de abril, avaliam o status sanitário e os mecanismos de fiscalização e controle da Seapi, em atuação conjunta com o Ministério da Agricultura e Pecuária. “A expectativa é positiva para os mercados bovino e suíno, mas ainda estamos em processo de encaminhamento de respostas a questionamentos e análises dos técnicos dos dois países. São etapas obrigatórias, que exigem paciência. Ainda aguardamos o ok da China, o maior e mais importante cliente”.

Rosane Collares lembra que em um passado recente havia muitos casos de aftosa na América do Sul. Mas os países foram investindo e atuando de forma séria e firme para conter a disseminação do vírus e conquistar mercados internacionais. “Questões laboratoriais também evoluíram muito. Quando surgiram aqueles focos em Joia e outros municípios da Região Noroeste, no ano 2000, que obrigaram o abate sanitário de mais de 11 mil bovinos, ovinos, suínos e caprinos, os resultados dos exames demoraram 25 dias. Hoje isso é feito em menos de 12 horas. Houve muitos avanços em tecnologia, inteligência, assertividade, conscientização dos produtores, qualidade do gado e das próprias vacinas”, acrescenta a veterinária da Seapi.

Tudo isso, além de um sistema 100% informatizado e de 99,5% das propriedades serem georreferenciadas, ajuda muito nas ações de monitoramento, identificação e controle de doenças. E, por consequência, no aumento da confiabilidade dos produtores e da cadeia de produção de proteína animal junto aos governos de outros países. A última ocorrência da enfermidade no Estado foi em 2001.

A suinocultura também colhe os frutos dessa condição sanitária privilegiada do RS. m De acordo com o Sistema de Inspeção Federal, o Rio Grande do Sul abate anualmente 9,3 milhões de suínos, sendo responsável por quase um quarto das exportações totais do Brasil. “Sem dúvida, essas conquistas geram oportunidades para o Estado, além de impulsionar a posição brasileira como quarta maior exportadora mundial dessa proteína”, destaca o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin.

Enquanto isso, o presidente executivo da Associação Gaúcha de Avicultura, José Eduardo dos Santos, observa que, embora frangos e aves não sejam suscetíveis à aftosa, esse status interfere na avaliação de muitos mercados importadores. “Com esse avanço, se dá mais segurança, mais estrutura e mais credibilidade para o sistema de defesa sanitária do Rio Grande do Sul”.

Controle rígido e ações rápidas garantem segurança sanitária nos campos
Para assegurar a manutenção do status de área livre de febre aftosa sem vacinação ao Rio Grande do Sul, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) vem adotando uma série de medidas. Desde 2020, um ano antes da certificação internacional, foram implantados o Programa Sentinela, de vigilância de fronteira, uma referência nacional; o Programa Guaritas, que faz a vigilância em 97 municípios da divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, e ações de vigilância ativas e passivas.

Conforme o órgão, até o mês de março foram realizadas cerca de 100 mil fiscalizações em propriedades e barreiras de animais, com 180 apreensões. Entre os produtos inspecionados estão carnes, couros, derivados lácteos, leite, ovos, embutidos, subprodutos e vísceras. No caso do Sentinela, foram quase 84 mil bovinos fiscalizados, 918 barreiras e mais de 170 mil quilômetros de fronteira com Argentina e Uruguai percorridos. O Guaritas, somente em 2022, percorreu 22 mil quilômetros, fiscalizando 1.982 veículos e 9,3 mil produtos, e instalou 123 barreiras.

Parcerias reforçam combate ao vírus
Nestes dois anos, a Seapi firmou parcerias com instituições de ensino nacionais e internacionais. A Universidade Federal de Santa Maria disponibilizou o acesso à Plataforma de Defesa Sanitária Animal, que disponibiliza em tempo real dados de controle de estoque dos materiais de emergência, registros de granjas avícolas e de suínos. Com a Universidade da Carolina do Norte, a secretaria desenvolve um trabalho de análise de rede da movimentação animal e um modelo matemático, único no mundo, que simula virtualmente o avanço da febre aftosa e traça as melhores estratégias para controlar uma possível epidemia. “O sistema de defesa vem se fortalecendo, e o Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal tem dado importante contribuição. Todos os programas existentes estão trabalhando ativamente. O principal ponto que se trabalha é a manutenção da condição de área livre de febre aftosa sem vacinação”, destaca o presidente do Fundo, Rogério Kerber.

Sinais da enfermidade
O vírus da febre aftosa é altamente contagioso e acomete naturalmente animais de casco bipartido, como bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos e suínos. A transmissão se dá pelo contato com a mucosa oral e respiratória dos animais infectados.

Os principais sinais clínicos, que aparecem em até 14 dias, são aftas na boca ou nos pés e, no caso de bovinos, febre, inquietação, salivação, dificuldade de mastigar e engolir alimentos, tremores, queda da produção de leite, dor nos tetos ao ordenhar ou amamentar, ferimentos nos pés e manqueira. Os sintomas levam à perda de peso e produtividade, gerando forte impacto econômico na cadeia, inclusive com a interrupção das exportações.

A doença no País
O primeiro registro de febre aftosa no Brasil ocorreu há 128 anos, em 1895, na região do Triângulo Mineiro, e decorre da importação de animais da Europa, onde a enfermidade foi identificada ainda no século XVI. A entrada da doença no País foi um dos fatores que levou à criação do Ministério da Agricultura, em 1909, com a missão de tratar mais especificamente das questões relacionadas ao setor. Apesar disso, a primeira campanha nacional de combate à febre aftosa só foi acontecer a partir da década de 1960.

O Rio Grande do Sul parou de vacinar o rebanho no ano 2000, quando a Argentina foi considerada livre da enfermidade sem vacinação. Mas, no mesmo ano, 22 focos da doença foram identificados nos municípios de Joia, Eugênio de Castro, Augusto Pestana e São Miguel das Missões, na Região Noroeste, obrigando o abate sanitário de mais de 11 mil bovinos, ovinos, suínos e caprinos.

Em maio do ano seguinte, outros 30 focos surgiram em seis municípios da Fronteira Oeste, e outros 16,8 mil animais tiveram de ser sacrificados. Foi a última vez que a doença foi verificada no RS. Mas o plano de alcançar o reconhecimento da Organização Internacional de Epizootias, atualmente denominada Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa) precisou ser adiado, mais uma vez. Somente em agosto de 2020 o Ministério da Agricultura reconheceu o Rio Grande do Sul como área livre da doença sem necessidade de vacinação. E o aval da Omsa chegou em 27 de maio de 2021. O Estado vem buscando ampliar mercados para exportação de carne bovina, suína e de aves, inclusive com melhor valorização por conta do novo status sanitário.

Fonte: Jornal do Comércio

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