Longa gaúcho Casa Vazia estreia nos cinemas nesta quinta-feira (3)

Premiado nos festivais de cinema de Gramado e do Rio de Janeiro, o longa Casa Vazia chega aos cinemas nesta quinta-feira (3). Tendo como palco a região da Campanha gaúcha, o filme foi rodado em Santana do Livramento e Rivera, jogando holofotes sobre a questão do empobrecimento dos interiores, causado pelo avanço da tecnologia nas áreas rurais. Dirigido por Giovani Borba, Casa Vazia ainda borra as fronteiras entre ficção e documentário, trazendo não-atores para interpretar histórias reais, com uma pitada de arte.

O filme traz a história de Raúl, um peão desempregado que vive em uma casa perdida na imensidão do pampa, região em que a tradição agrícola vem sendo apagada pela monocultura de soja e eucalipto. Tendo que conviver com agrotóxicos e transgênicos, os trabalhadores da região travam uma batalha com as grandes máquinas que agora tomam o seu lugar na linha de produção. Lutando pela sobrevivência, Raúl junta-se a um grupo de ladrões de gado. Um dia, ao voltar para casa de madrugada, o peão não encontra mais sua esposa e filhos – apenas a casa vazia.

“Me interessava muito falar sobre o meu lugar, sobre o meu espaço. E quando eu pensava em possibilidades de filmes mais urbanos, eu não sentia tanta vontade. Eu queria entrar nesse ambiente do campo e da figura do gaúcho, explorar isso”, pontua Giovani Borba, diretor da obra. Nascido em Pelotas e tendo a Campanha como casa, o diretor queria projetar seu chão nas telonas do cinema. Além de trazer como protagonista as terras de onde vêm suas raízes, Giovani ainda se interessava muito pela figura do gaúcho, quase sempre retratado de uma maneira folclórica nas mídias.

Buscando refletir sobre a crise identitária que existe entre a figura gauchesca criada pelo tradicionalismo e os homens e mulheres que ele via ao seu redor, o diretor quis apresentar um outro lado dessa narrativa. “Eu queria mostrar um gaúcho frágil, um gaúcho que tem medo, um gaúcho que é triste, que é melancólico, que pode ser calado, que enfrenta suas dificuldades. E que tudo isso, no final, não deixa de fazer desse gaúcho um herói”, avalia.

Para construir essa camada quase antropológica, que procura trazer pessoas reais ao filme, Giovani Borba empregou não-atores na obra, interpretando a realidade das histórias, trejeitos e gírias. “Busquei fazer o filme mais original possível para retratar a região da maneira mais verdadeira. Eu deixei a realidade inundar a minha ficção.”

O personagem principal, Raúl, é interpretado por Hugo Nogueira, um trabalhador do campo da região. Junto com ele, trabalham outros moradores da cidade, contracenando com atores consagrados como Araci Esteves, Nelson Diniz, Roberto Oliveira e Liane Venturella. “Eu fiz um acordo com eles (atores profissionais). Disse: ‘vocês são os atores e eu quero que vocês se aproximem desse pessoal aqui, que não são atores. O jeito de falar, o jeito de olhar, a pausa, o tempo. Eu quero que vocês cheguem aqui. Não quero transformar essas pessoas em atores que vão interpretar como vocês. Quero que vocês sejam muito parecidos com eles’”, ilustra Giovani.

Além da motivação territorial e de pertencimento, o diretor ainda trouxe uma razão mais pessoal para a trama: as incertezas das relações familiares. A perda que o protagonista sofre ao voltar para casa e não encontrar mais sua família foi muito impulsionada pelo nascimento do primeiro filho do diretor. A partir da paternidade, ficou mais fácil enxergar a fragilidade dos vínculos e sentir o medo da separação. “Eu era muito jovem, muito inseguro, sem saber como ia ser a minha relação com meu filho. Que mesmo sendo muito importante, eu tinha muitos medos. Então, eu comecei a pensar em escrever coisas sobre questões familiares”, explica o diretor.

Apesar de ser extremamente regional e, também, pessoal, Casa Vazia trata de temas universais a diversos interiores: a invasão dos maquinários e das monoculturas. As mãos que plantavam e colhiam, agora se tornam ociosas, substituídas pelos gigantes de aço. “A produção aumenta, o lucro aumenta, mas, ao mesmo tempo, se precisa de menos mão de obra e isso deixa as pessoas sem rumo, sem futuro, sem chão.”

Se comparando com seu personagem principal, que se sente cada vez mais sem espaço no seu campo de atuação, o diretor faz um apelo ao público. “O cinema brasileiro passou por uma fase muito difícil. Eu espero que a gente esteja superando essa fase. De alguma maneira, eu me sinto um Raúl no cinema: batalhando, tentando me manter e sobreviver no meu chão”, declara. “É muito importante a gente falar da sobrevivência do cinema. Cinemas podem morrer. Precisam de público, precisam de pessoas dentro da sala.”

Fonte: Jornal do Comércio

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