Chile mira carne gaúcha com osso

O roteiro técnico de Hugo Alejandro Araya Véliz pelo Rio Grande do Sul, nos primeiros dias de dezembro, pode representar a abertura de uma nova oportunidade de mercado para as indústrias de carne bovina gaúcha. O chefe do Departamento de Sanidade Animal do Servicio Agrícola y Ganadero (SAG), organismo fitossanitário do governo chileno, e a chefe do Subdepartamento de Regulação de Importações Pecuárias, Paula Andrea Cancino Viveros, vieram conferir os mecanismos de controle de fronteiras e de segurança fitossanitária do Estado para avaliar a liberação de importação de carne com osso para seu país de origem.

Entre os dias 5 e 8 deste mês, acompanhados por uma comitiva técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Estado (SEAPDR), eles visitaram as inspetorias veterinárias de Santana do Livramento e Uruguaiana, onde conversaram com as equipes para entender a estrutura e o manejo para garantir que animais não vacinados ingressem em solo gaúcho. Na sequência, estiveram em uma propriedade rural em Quaraí que produz e comercializa bovinos da raça Angus.

“É uma perspectiva que se abre, ainda em fase inicial de tratativas. Mas temos boas expectativas, porque sabemos que nosso sistema de proteção sanitária é muito bom”, diz o titular da SAPDR, Domingos Velho Lopes.

Agora, o Chile deverá apresentar ao governo brasileiro um relatório com as impressões colhidas pelos dois técnicos e dar sequência às conversações. Mas a ocorrência de focos de influenza aviária no Chile pode provocar o atraso na entrega do relatório aos governos dos dois países envolvidos. O país está em emergência sanitária. Nesta segunda-feira, Véliz observou que todas as equipes do órgão sanitário estão envolvidas no enfrentamento ao problema. A possibilidade de os chilenos pedirem mais prazo já era considerada pela diretora do Departamento de Defesa Animal da Secretaria, Rosane Collares.

“Estávamos monitorando essa situação, e, no lugar deles, provavelmente pediríamos mais tempo para analisar e entregar o relatório. A visita foi bastante positiva. Fizemos uma reunião inicial, quando apresentamos o nosso sistema de defesa. Posteriormente, eles puderam verificar in loco tudo que expusemos, na propriedade em Quaraí. E, por fim, tivemos uma nova rodada de conversas técnicas antes de retornarem a Santiago”, conta Rosane.

De acordo com ela, chamou a atenção dos colegas chilenos o Programa Sentinela, de controle de fronteiras, lançado em 2020 pelo Rio Grande do Sul e que virou referência no País. Igualmente, o convênio do Rio Grande do Sul, via Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), com a Universidade da Carolina do Norte para análise de rede de movimentação animal, identificação das propriedades com maior trânsito de bovinos e desenvolvimento de ações de mitigação de risco, controle e inovação tecnológica.

“Estamos, inclusive, fazendo uma simulação de manejo para o surgimento de enfermidades como aftosa e peste suína africana, com modelos matemáticos robustos para a dispersão desses focos”, diz a diretora do DDA.

Já em Quaraí, Hugo Véliz e Paula Viveros puderam ver de perto os animais nos campos e fazer um raio x fiel dos sistemas de produção e biossegurança no local e no Estado. A reação inicial da missão chilena é vista com entusiasmo, já que apenas duas questões foram levantadas durante a estada do grupo no Brasil, e uma delas foi clareada antes mesmo do embarque, observa Rosane Collares.

O assunto deve evoluir a partir de janeiro, dependendo do parecer dos chilenos. Mas a eventual autorização para importação representa apenas o começo da caminhada. É que inicialmente precisa haver acordo entre os governos dos dois países para que acordos comerciais entre empresas possam ser prospectados e realizados.

Sicadergs observa iniciativa chilena com cautela

Diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Zilmar Moussalle é cauteloso em relação ao tema. Embora considere o Chile um bom mercado para a carne bovina gaúcha, ele observa que cortes com osso têm menor valor de venda e, em princípio, não devem mobilizar os frigoríficos do Estado a buscar parcerias com os vizinhos do Mercosul.

Por outro lado, o dirigente reconhece que o interesse chileno é um bom sinal do ponto de vista sanitário. Os dois países desfrutam do status de zonas livres de aftosa sem vacinação.

“Esse reconhecimento por parte deles é importante e pode reforças as relações comerciais. O Rio Grande do Sul já exporta carne bovina desossada para o Chile. E, caso tenham interesse em cortes de dianteiro, por exemplo, para desossar lá, evidentemente que poderemos estabelecer novos negócios”, avalia Moussalle.

Já de acordo com o coordenador da Câmara Setorial da Pecuária de Corte da SEAPDR, Gilson Hoffmann, a auditoria chilena sobre a cadeia bovina gaúcha é um sinal do que deverá acontecer a partir de agora, com o status sanitário privilegiado do Estado junto à Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa).

“A tendência é melhorar. O Chile já é um grande importador de carne bovina brasileira. Sua produção é insuficiente para abastecer o mercado interno. Então, ainda que o valor da carcaça não seja tão atrativo quanto o recebido por cortes desossados e nobres, isso agrega volume às nossas exportações”, pondera.

Ele acredita que a avaliação da missão estrangeira será positiva, pois diz que a estrutura de defesa sanitária vigente é muito boa e os técnicos do Estado estão capacitados para realizarem os manejos adequados e necessários.

“Outras missões virão, porque temos a oferecer a garantia da qualidade e da sanidade do produto. Nossas exportações irão melhorar”, projeta Hoffmann.

EUA também enviou equipe ao RS para conhecer a cadeia avícola

A certificação internacional do Rio Grande do Sul como zona livre de febre aftosa sem vacinação abriu perspectivas de negócios para o Estado que ficaram represadas no pico da pandemia de Covid-19. O reconhecimento pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) ocorreu em 27 de maio de 2021, quando medidas restritivas de circulação de pessoas ainda represavam avanços na prospecção de novos acordos comerciais.

“Esse é um movimento que poderia ter acontecido ainda no ano passado, mas que foi inviabilizado por conta dos cuidados necessários mundo afora. Mas agora temos recebido contatos de outros governos interessados em nossos produtos da cadeia de proteína animal”, diz Rosane Collares, diretora do Departamento de Defesa Animal (DDA) da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural.

Em agosto deste ano, uma missão dos Estados Unidos visitou uma empresa de desenvolvimento genético de aves e três propriedades de produtores integrados em Montenegro, Pareci Novo e São José do Sul. Os relatórios das emissárias Stephany Kordick, Kari Coulson, Melody Maxwell e Mary Killian, todas do Serviço de Inspeção Sanitária Animal e Vegetal do Departamento de Agricultura daquele país, ainda não foram entregues ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), mas a avaliação do governo do Estado é de que a perspectiva é boa para o entabulamento de acordos de exportação desses produtos.

Para o presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos, o interesse dos Estados Unidos e da Inglaterra é um sinal do reconhecimento à produção sustentável e de qualidade desenvolvida no Brasil e, especialmente, no Rio Grande do Sul. O dirigente, que participou da turnê da missão americana, a pedido da comitiva estrangeira, tem convicção de que a impressão levada à América foi muito boa.

“Os Estados Unidos São nosso principal concorrente no mercado mundial de carne de frango. Mas meu sentimento é de que, diante de um cenário geopolítico conturbado, de crise econômica e tensões com a China e a Rússia, eles estejam prospectando parceiros capazes de abastecê-los em caso de necessidade. O Brasil detém status sanitário privilegiado, usa tecnologias de ponta e está localizado no corredor das Américas, o que nos coloca como potencial fornecedor”, analisa Santos.

Na avaliação do presidente da Asgav, a situação dos britânicos é bastante semelhante, já que, a partir do Brexit, eles têm limitações nas relações bilaterais com a União Europeia e também vivem no limiar de enfrentar conflitos armados.

“A questão alimentar é uma preocupação geral na Europa. Estive recentemente em uma agenda na Holanda, e percebi que muitos países do bloco estão atentos a questões ambientais, à retenção de carbono e à sanidade animal. A segurança alimentar é um fator que está muito presente”.

Fonte: Jornal do Comércio

Mostrar mais
Botão Voltar ao topo