Um Fusca e o Bandoneon

Por: Fábio Verardi

Astor Piazzolla revolucionou a música da América do Sul com sua vanguarda e ousadia do bandoneon “doble A” que detinha o poder de deixar amantes da música estupefatos e fazer outros muitos tangueiros indignados. A novidade das fusões recortadas de Jazz com Tango abriu caminho livre para o sucesso na Europa e nos Estados Unidos, e, também para uma avalanche de críticas dos próprios argentinos. A verdade é que nada foi igual depois de Piazzolla. Filho de imigrantes argentinos vivendo em Nova Iorque, teve seu primeiro contato com o bandoneon aos 8 anos de idade, e, mais tarde com uma inusitada visita de Carlos Gardel viu o rumo de sua vida mudar para sempre ao estrelar aos 13 anos participação no filme “El Día Que Me Quieras”.

Num agosto frio de 1988, o já consagrado artista chegava a Porto Alegre para uma esperada apresentação com sua orquestra e o fulgor que tomava conta da cena cultural gaúcha era acompanhado de perto por jovens membros da produtora responsável pelo espetáculo. O argentino era um homem exigente que primava pela perfeição nos ensaios e chegava a perder a cabeça se as coisas não fossem bem executadas, movimentos que colocavam todos em alerta para atender à genialidade do músico. Rosane Furtado foi designada para auxiliar o astro, ela se nutria da rebeldia de Cazuza, da poesia inebriante de Nei Lisboa e das pegadas de Bebeto Alves que faziam das rádios da época num esplendor de boa música, mas mal conhecia Piazzolla.

Piazzolla logo gostou de Rosane, enxergou naquela guria dos anos 80 uma pessoa competente para dar conta dos detalhes do show, aliás, detalhes que para ele faziam toda a diferença. A cumplicidade fez daquele espetáculo um mar infinito de palmas dos porto-alegrenses e mais uma missão cumprida para Astor Piazzolla, que elegeu a “Cantina Del Nono” como seu lugar cativo para desfrutar de um bom jantar após a apresentação, porém, o gênio era gênio em tempo integral e decidiu após a última garfada que queria ir embora

para o hotel. A produtora dependia de uma Van de transporte, mas o astro não queria esperar, foi quando Rosane teve a brilhante ideia de oferecer carona no Fusca do amigo Gelson Oliveira e para sua surpresa o maestro respondeu: – Vamos!

Gelson e Rosane roubaram para dentro do Fusca um dos maiores artistas do mundo, mas o Herbie não pegou, a bateria falhou logo naquele momento ímpar de existência do Volkswagen. – E agora? Perguntaram os jovens. – Vamos empurrar! Respondeu o maestro. E numa das cenas mais emblemáticas Astor Piazzolla empurra o Fusquinha amarelo para pegar no tranco rumo ao hotel. Um ano mais tarde, Piazzolla e Rosane voltariam a se encontrar num show no Rio de Janeiro e talvez depois disso ela tenha optado em morar na descida da Rua Vasco Alves, local fácil para qualquer Fusquinha amarelo pegar no tranco.

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