Reflexão – Verão

Por: Renato Ferreira Machado

Do mormaço ao litoral: o gaúcho e o verão

O gaúcho é um andarengo.Historicamente se sabe que este termo, gaúcho, foi dado exatamente para a classe de pessoas sem posses e sem paradouro que surgiram aqui nas terras sulinas. Inúmeras mudanças históricas o aquerenciaram ao rancho e à estância, tornando-o, de gaúcho, peão de estância. A gana de andar, porém, com ele permaneceu. Uma gana antes movida por necessidade e agora por vontade.O gaúcho é o tipo humano do pampa e de suas fronteiras. Pertence a uma América meridional, é inspirado por suas paisagens e temperado por seu clima. Este clima, subtropical, castiga este despossuído pampeano com invernos longos e rigorosos e outonos chuvosos, o encanta com primaveras floridas e volta a castigá-lo com um verão mormacento, abafado e difícil de atravessar para quem lida com o campo.As estiagens que ocorrem em nosso estado durante o verão castigam o gado e a plantação, deixam os cavalos assoleados e transformam as sangas em lodo. O verão tem noites mornas, quando se fica mateando até mais tarde, proseando e se pensando na vida. Nos açudes, o céu sem nuvens se espelha na água e o gaúcho madrugador bebe lua e estrela d’alva ao saciar sua sede no amanhecer.E a chuva não vem…E o gaúcho, tocado pelo mormaço, volta a ser andarengo em busca de uma paragem que o refresque e sacie sua sede. Vai aos rios acampar, pescar e se banhar nas águas correntes. À beira do Santa Maria, do Ibicuí, da Lagoa dos Patos e de outros balneários de água doce, desencilha e se espraia como as águas. Vive seus amores, troca o pasto pela areia e canta ao ritmo dos rios que vão sem voltar e das lagoas que sempre estão lá.Muitos, porém, não vão para as lagoas e rios.Muitos se dirigem ao mar.E à beira do mar acontece um encontro movido pelo verão.O gaúcho se encontra com o pescador.Os olhos acostumados ao pampa sem fim se deparam com o oceano infinito.O andarengo das fronteiras de terra adentro chega à fronteira marítima por onde vieram os açorianos.No verão culturas se encontram na beira do mar. É o tempo em que milhares de veranistas se dirigem às cidades do litoral e convivem ao longo de meses com quem lá habita. A população do estado se concentra no lugar onde se escuta o maçambique, onde ocorrem o Terno de Reis e a Festa de Iemanjá junto com a de Nossa Senhora dos Navegantes.Que bom seria se em nossos verões pudéssemos tomar um banho de cultura, de música, de culinária litorânea junto ao banho de mar. Que bom se nossos verões servirem para o encontro com a diversidade que habita em nosso estado e que guarda um inestimável tesouro em seu viver.Que bom seria se, à beira do Atlântico, nosso coração se inspirasse nos ancestrais navegadores e tomasse coragem de romper as fronteiras que separam a humanidade.

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