Reflexão – Quaresma

Por: Renato Ferreira Machado

Da Quarta-feira de Cinzas até a quarta-feira da Semana Santa a tradição cristã vive o tempo de Quaresma. São quarenta dias dedicados à preparação para a Páscoa, que é a mais importante celebração cristã. No calendário litúrgico, a Quaresma é um tempo de penitência. Nas igrejas, os padres utilizam a estola roxa. Nas missas, não se canta o Glória. As leituras do evangelho vão tornando presentes as narrativas que levaram Jesus à cruz. 

Em nossa religiosidade popular, marcada pelos catolicismos espanhol e açoriano, em mistura com tradições indígenas e de matriz africana, a Quaresma toca em algo muito caro à população: a expressão de suas dores e sofrimentos.Um dos sinais visíveis disso era a tradição que proibia bailes, danças e festejos durantes estes quarenta dias, sinalizando que o tempo de festa havia ficado para trás. A Semana Santa, nesse sentido, reserva ainda mais expressões populares de devoção: a vigília do Santíssimo Sacramento na quinta-feira Santa, a colheita da macela, a via-sacra e a procissão do Senhor Morto na sexta-feira Santa e os ovos coloridos e doces da Páscoa. Expressões ricas e preciosas de uma cultura que se renova como memória no meio popular e, com isso, vai perpetuando identidades.

No fundo daquilo que se expressa, porém, subsistem significados que precisam ser sempre lembrados e visibilizados para que o conteúdo daquilo que é celebrado não se perca. 

A Quaresma é um tempo de conversão, de mudança de vida diante da vida nova que se anuncia na Páscoa. Se estes quarenta dias levam ao sofrimento e á cruz, a conclusão de tudo se dá com a ressurreição, que supera a experiência de morte. O convite deste tempo, então, é para que pensemos sobre nossas experiências de morte e nos perguntemos sobre o que é necessário mudar para superar estas experiências. 

A pandemia da Covid chegou até nós na Quaresma de 2020. Vivemos, desde então, uma longa experiência de calvário, com morte e túmulos que se multiplicam. Chegamos à Quaresma de 2021 no pior momento deste quadro para nosso estado e para nosso país. Parece tardar para nós a ressurreição…

Mas não perdemos a esperança! A longa Quaresma da Covid nos converte diariamente a outra percepções da realidade e principalmente das pessoas que nos são próximas. É uma longa Quaresma de separação, onde reaprendemos a sentir saudades e passamos a desejar estar juntos novamente. O mais engraçado talvez seja que antes da pandemia, quando podíamos nos encontrar à vontade, geralmente nos faltava tempo para isso. Vivíamos ocupados sem, por vezes, nos ocuparmos do nosso amor e afeto pelas pessoas.

Esta questão, porém, não apaga o fato de que vemos as mortes se multiplicarem a cada dia. Se na Sexta-feira Santa o povo segue o Senhor Morto em procissão, no atual contexto cruzes são erguidas em diversos lares e em todos os nossos hospitais. Porém, assim como se faz na procissão, o Cristo descido da cruz é visto como aquele que ressuscitará e nisso se encontra a mística e a força de nosso povo: a ressurreição virá e celebraremos a Páscoa!

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