O Maior Romance de Todos os Tempos

Por: Fábio Verardi

A América Latina é berço de grandes escritores da literatura mundial, o Brasil desponta nesta lista com inúmeros autores que se eternizaram nas leituras obrigatórias de concursos vestibulares, e, talvez, como os maiores romancistas de todo o continente. Dizem que para simular entendimento sobre os Beatles o truque infalível é sempre falar de George Harrison ao invés de Paul ou Lennon e na literatura Sul-americana não é diferente quando vemos um pedestal de madrepérolas esculpido para Garcia Marquez e Galeano. São maravilhosos sim, mas ninguém em toda a América conseguiu atingir a plenitude de um romance, com drama, crítica social, inquietação e suspense, senão um negro, gago, pobre e epilético que se chamava Joaquim Maria Machado de Assis. Um homem que testemunhou a abolição da escravatura e escreveu mais de duzentos contos, peças teatrais e dez romances, dentre estes, Dom Casmurro.

Publicado em 1899, o livro é ambientado no Rio de Janeiro e é narrado em primeira pessoa pelo personagem Bento Santiago, um senhor de escravos rico, solitário, ranzinza e mal humorado, por isso apelidado de Casmurro. A trama do romance gira em torno de uma possível traição da esposa Capitu com o melhor amigo de Bento, e, por consequência a dúvida sobre a paternidade do filho Ezequiel, contexto que foi responsável por gerar milhares de painéis de debates em escolas, universidades, entre amantes da literatura e sabichões mundo afora. Tudo isso para tentar elucidar a dúvida fatal, o dilema – Capitu traiu ou não traiu o marido? A pergunta ainda divide opiniões pairando na incerteza interpretativa e confirmando com isso a grandiosidade envolvente do romance machadiano.

Bento se autodescreve como um homem que perdeu a alegria de viver, que enquanto jovem foi ingênuo, comedido e apaixonado, ao contrário de Capitu que sempre foi esperta, forte e determinada, porém, Bento Santiago não é um narrador confiável e é justamente essa a ideia que o sagaz Machado de Assis quer estampar em seu fascinante romance, nos fazer enxergar que o Casmurro é um homem possessivo, inseguro e ciumento que se vale da narrativa autopunitiva de tristeza para justificar seu descontentamento com o brilho natural emanado por Capitu. Este parcial narrador busca através de subterfúgios e adjetivos atentar contra a honra da mulher que teria olhos de ressaca, insinuando através de sua desconfiança que as atitudes de Capitu seriam sempre as de traição. A verdade é que Capitu era uma mulher de protagonismo para aquela virada de milênio, fato que jamais poderia ser aceito pelo poço do pensamento machista daquela época. Não é a toa que Machado de Assis foi o maior escritor brasileiro, em Dom Casmurro ele conseguiu estabelecer que a dúvida sobre Capitu continuasse viva até os dias de hoje fazendo uma crítica social extremamente inteligente num raciocínio elegante, mas, não para o alcance de todos. Um tapa de luvas nas elites sociais e o despontar do protagonismo feminino representado pela eterna Capitu, fazem de Dom Casmurro o maior romance de todos os tempos.

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