Meus Amores
Por: Fábio Verardi
A cultura gaúcha assume mundialmente um papel de protagonismo e é representada a partir de seus símbolos peculiaridades inconfundíveis, capazes de fazer reflexo onde quer que seja. O mês de setembro arma o cenário das comemorações do orgulho farroupilha e abre credenciais para a participação de todos, mesmo daqueles que nunca tomaram uma cuia em suas mãos. Em 2004, desfilei meu visual gris asfáltico no acampamento de Canoas/RS montado junto ao Parque Eduardo Gomes e aos poucos fui me familiarizando com as paixões que motivavam pessoas a permanecer por semanas com os pés no barro e sem um banho decente. A raiz do gauchismo estava lá, ao menos para mim que continuava a questionar aquele modo artesanal e trabalhoso de se viver numa contramão do que representava o mundo moderno. Churrascos, trago e outras comilanças eram o carro chefe da festa ambientada pela música ao vivo com os nomes do tradicionalismo que colocam o povo a dançar no palco de lona. A euforia do álcool e do avançar da noite se misturavam com o som alto das bandas, ingredientes perfeitos para uma boa bagunça a céu aberto, mas a verdade é que todos pareciam muito felizes.
De repente, um novo sentimento tomou as rodas de conversa e fez com que a gritaria desse lugar à expectativa: – “Vai ser às 9 horas, não perco por nada!” O burburinho fez o tom das pessoas mudarem para anunciarem umas as outras que haveria um show imperdível e pouco antes do relógio visitar as 9 horas o público já havia lotado a frente do palco. Curioso, franzi minha testa questionadora e elevei meu orgulho leonino para estabelecer se o tal cantante era tão bom à altura dos confetes de ansiedade provocada. Gritos num nível Rock n´ Roll foram o cartão de visitas para o grupo liderado pelo sujeito com ares flamencos e bigode impecável, e, os primeiros acordes do violão deram gasolina para o nível de euforia alcançar o teto, mal era possível compreender as frases cantadas, pois o público conhecia cada suspiro e junto também as
cantava. Uma música simples, com frases simples e notas que poderiam ser tocadas por qualquer jovem de 12 anos que estivesse aprendendo violão, nada de mais. Um sentimento que me fez ainda mais curioso para saber o mistério que habitava sobre aquele gaúcho.
A nova gritaria identificava o começo de outra canção, mas dessa vez havia algo mais no ar e uma emoção diferente que fez com que muitos, às lágrimas, acompanhassem o refrão: “No rancho sobre a coxilha contemplando a várzea infinda, vejo a xirua mais linda do que a flor da maçanilha”. Uma frase bonita que narrava o ambiente do campo mesmo para aqueles que não eram do campo, porém, ainda assim uma música simples que me tirava o sossego em entender o porquê de tanta exaltação. O solo do violão permitiu que aquele cigano andaluz respirasse antes de lançar seu feitiço: “Deixo que a lua se estenda e o mundo fica pequeno, enquanto bebo o sereno nos lábios da minha prenda”. Estava feito! O mouro me acertou em cheio e tudo ficou mais do que explicado, aquele gaúcho andante cantava revelando o que se passava no lugar mais profundo de sua alma, o mesmo lugar onde residem os amores e traduzia sentimentos que poucos têm coragem de expressar numa vida inteira. Com Luiz Marenco aprendi bastante sobre um fenômeno chamado empatia e desde então tento me permitir em acessar minha alma para encontrar Meus Amores.