Vírus deve frear integração do comércio internacional
A crise desencadeada pelo novo coronavírus nas cadeias globais de valor (indústrias de diferentes países conectadas na fabricação de um produto) vai desacelerar o processo de interação e a dinâmica comercial entre os países, mas ainda estará longe de provocar uma desglobalização, segundo especialistas.
A avaliação é que a paralisação das fábricas para evitar a propagação da doença expôs a fragilidade das indústrias dos diversos países ao dependerem umas das outras. A cautela para contornar essa vulnerabilidade deverá desacelerar o processo de globalização.
“Se antes o mais importante era obter um insumo pelo custo mais baixo, agora, por questão de segurança, as empresas vão começar a olhar para produções em regiões mais próximas e vão querer diversificar o local de produção, diz Hubertus Bardt, diretor de pesquisa do IW (Instituto de Economia Alemã). “Só que isso tem custos adicionais, que vão dificultar e desacelerar a integração das cadeias globais de valor.”
Na mesma linha de Bardt, a pesquisadora Lisandra Flach, do Ifo-Institut (Instituto de Pesquisa Econômica da Universidade de Munique), diz que a grande lição desta crise será a necessidade de diversificação da cadeia, para reduzir a dependência de um país importador ou fornecedor. “Vejamos o caso da Alemanha: a penicilina do país vem quase exclusivamente da China. Um lockdown lá traz um efeito devastador para o setor que depende deste insumo.”
Dizer, porém, que o planeta vai viver uma desglobalização é precipitado, segundo a avaliação de Flach. “Não gosto de usar esse termo porque a exportação e a importação continuam crescendo. Uma redução da velocidade da globalização acho que demonstra melhor o processo atual.”
O economista Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma que a integração das indústrias já vinha perdendo ritmo desde 2008, com a crise financeira. “Esse cenário de perda de força e de incertezas das cadeias globais de valor já era captado pela literatura internacional antes da Covid-19. Acho que algumas dessas tensões devem ganham força agora.”
O índice de participação das cadeias globais de valor no comércio internacional cresceu de 38% para 52%, entre 1970 e 2008, e estagnou desde então, segundo o Banco Mundial. Também depois da crise de 2008, quatro tendências alteraram a estrutura das cadeias globais de valor, de acordo com os professores da Duke University (EUA) Lukas Brun e Garry Gereffi; e o diretor da Unctad (agência da ONU para comércio e desenvolvimento), James Zhan, em artigo publicado sobre o tema. Segundo eles, as multinacionais passaram, primeiro, a reduzir o número de seus fornecedores, de forma que pudessem racionalizar o processo, até por questão de auditoria. Também começaram a procurar fábricas com baixo custo de produção em suas próprias regiões.
Para ter resiliência nos suprimentos e não correr risco de desabastecimento, as multinacionais também passaram a fazer estoque e buscaram diversificar os locais de produção de seus fornecedores. Os autores lembram que a principal fornecedora da Apple, a chinesa Foxconn, diversificou as localizações de suas fábricas para a atender à demanda local na América do Sul.
A última tendência citada pelos pesquisadores é a mais recente: a digitalização das cadeias via tecnologias de impressão 3D, automação e tecnologia da informação. “Tudo isso veio como resposta a uma desaceleração da economia internacional, após a crise financeira e também pelo aumento progressivo de tensões comerciais, principalmente entre China e EUA”, diz Cagnin.
Fonte: Jornal do Comércio