Reflexão – Natal

Por: Renato Ferreira Machado

O Natal começou a ser celebrado pelos cristãos por volta do Século III de nossa era. 

Entre as primeiras comunidades, na verdade, não havia muita preocupação sobre o nascimento de Jesus ou mesmo sobre sua origem familiar. Para os primeiros seguidores de Cristo a questão central era sua revelação como Messias, com sua paixão, morte e ressurreição. 

Com o passar do tempo, na medida em que estas comunidades refletiam e aprofundavam sua fé, as perguntas sobre a identidade de Jesus acabaram ganhando novas dimensões. Uma destas dimensões era a afirmação de que Jesus de Nazaré é verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Assim sendo, era preciso também refletir sobre sua concepção e nascimento, onde o Filho de Deus inicia sua experiência de humanidade. A preocupação, neste contexto, não era tanto saber onde ou quando Jesus havia nascido, mas qual o significado disso para a fé.

O Natal passa a ser celebrado, então, nesta época do ano em função do solstício de inverno no hemisfério norte. 

Na cultura romana celebrava-se a festa do Sol Invicto, pois a partir daquela data os dias começavam a ficar maiores, anunciando a chegada da Primavera e o fim do Inverno. Os cristãos recodificaram esta data, afirmando que Jesus era como o sol, que no auge do inverno da existência começa a lentamente aquecer e alongar os dias, derretendo as neves que impedem a vida de acontecer e nos conduz à Primavera da Eternidade. Junto a isso, afirmavam que seu nascimento acontecera de forma oculta, revelada aos pobres pastores que estavam a trabalho na mais escura das noites. 

Já se sabia que Jesus era filho de Maria, jovem nazarena que havia engravidado antes do noivado com José, a quem estava prometida. Esta gravidez na virgindade, julgada como grave adultério na época, guardava o significado de que a salvação vem onde existe abertura e disposição para o novo, onde as pessoas estão dispostas a não se reduzir a fórmulas e modelos impostos pelo meio social.

Entre 1962 e 1967 a Igreja Católica promoveu seu mais importante evento no Século XX: o Vaticano II. 

Neste contexto, a constituição Sacrosanctum Concilium, publicada em 1963, trazia as diretrizes para a reforma da liturgia católica e, no seu conteúdo, incluia as “normas para a adaptação à índole e tradições dos povos”: a missa, culto católico, passava a ser rezada nas línguas vernáculas e a incluir elementos das culturas locais na celebração. 

Inspirado por estas mudanças, Ariel Ramirez compôs e gravou, em 1964, a Misa Criolla: na tradição das missas compostas para a música clássica, Ramirez tomou os textos oficiais do culto católico, traduziu-os para o espanhol e os musicou com ritmos típicos do folclore pampeano e andino. Simultaneamente, contando agora com as composições de Felix Luna, Ramirez grava Navidad Nuestra, uma cantata de Natal pampeana. 

A primeira gravação da Misa Criolla e da Navidad Nuestra foi lançada em 1965, com o grupo Los Fronterizos assumindo os vocais. Desde então, a peça clássica de Ramirez e Luna já ganhou diversas regravações, como a de Jose Carreras, em 1988 e a de Mercedes Sosa, no ano 2000. 

Neste ponto, é importante voltarmos ao “Sol Invicto”.

Ao contrário do hemisfério norte, o Natal ocorre no sul ainda no início do verão. 

Na região pampeana, famosa por seus longos invernos, os verões são abafados e mormacentos, castigando aqueles que precisam se deslocar debaixo do sol. Na verdade, um clima bem próximo ao do oriente médio, onde Jesus viveu. Nesta época, o Sol mais castiga que aquece. Qualquer sombra toma os ares de bênção. 

Assim, a Navidad Nuestra  se inicia com Gabriel, soldado de um povoado, indo até uma vila, procurando Maria, a mais bela cuñatai para lhe dar a notícia de que em seu ventre crescia um menino, flor de Deus que nela desabrochava aos poucos. 

Depois, encontramos Maria, grávida e José, caminhando pelo pampa, debaixo de um mormaço, pisando em cardos e urtigas, levando com eles um Dios escondido, do qual ninguém sabia. Maria sente que chega sua hora e procura uma tapera para dar à luz seu filho. Não havia lugar para eles…

O nascimento do menino, sua Navidad, ilumina a noite.

Alguns gauchos pastores, vindos de todos os povoados, lhe trazem queijos e flores, levam seus tambores e guitarras para celebrar. 

Em seguida aparecem três reis: Gaspar, Belchior e o negro Baltazar. Trazem presentes para o menino: mel, coalhada e um poncho de alpaca real. O menino se alegra, come o mel e a coalhada. Dorme aconchegado no poncho. 

No outro dia, porém, a angústia: é preciso fugir, pois a degola já começou e os punhais estão cheios de sangue. Recém nasceu, o menino já é um perseguido. Sua mãe, Maria, corajosamente lhe promete: meus braços serão teu berço, meu coração, um bombo legüero…

Assim é o Natal no pampa.

O Natal das famílias sem-teto, das crianças sem lugar, dos pobres perseguidos e ameaçados.

O Natal das comunidades que pouco possuem e tudo doam, dos presentes que traduzem fraternidade e afeto, da beleza simples de uma criança que nasce.

Assim é nosso Natal, Navidad Nuestra!

Ouça na íntegra o programa Reflexão:

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