Estiagem gera plantio antecipado da soja

Parte dos produtores que tiveram perdas com a estiagem estão derrubando mais cedo as lavouras de milho e começam, agora, uma arriscada semeadura. Para tentar amenizar as perdas, alguns estão começando a preparar o solo que abrigou a prejudicada área de milho para receber soja. Como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não ampliará o zoneamento agrícola, toda essa produção estará descoberta de qualquer seguro em caso de novas perdas.

“Não podemos ampliar o zoneamento, que é feito com bases científicas e para proteger o próprio produtor de riscos maiores. Ainda recebemos pedidos para isso, mas, definitivamente, isso não será feito. Nenhuma seguradora vai garantir perdas nessas áreas”, ressalta o diretor do departamento de gestão de riscos do Mapa, Pedro Loyola.

Jonas Medeiros, responsável pela área de crédito rural e seguro agrícola da Cotribá, com mais de 8 mil associados, alerta que o plantio fora do zoneamento pode levar a novas perdas. Medeiros explica, porém, que essa é uma tentativa de alguns agricultores de reduzir ao menos um pouco os prejuízos já consolidados com o milho em muitas propriedades.

“É claro que a produtividade dessa soja plantada agora não será a mesma. E nenhuma empresa vai aceitar fazer um seguro fora do zoneamento. É uma alternativa arriscada de reduzir o prejuízo, mas que pode gerar outro ainda maior”, avisa Medeiros.

Com perdas estimadas em 50% na lavoura de milho cultivada em Cruz Alta, e de 20% na área em Tupanciretã, o casal Vivian e Ivan Bohrz mais o sócio Márcio Bohrz desistiram de se arriscar em mais uma empreitada em meio às incertezas do clima. Neste ano, não vão colocar sobre o milho sementes de soja, como já fizeram antes.

“Não fazemos plantio da safrinha de soja já se aproximando do final de janeiro e começo de fevereiro. Não vamos derrubar o milho agora, mesmo com a estiagem, porque ainda está na fase de enchimento do grão”, explica Vivian, responsável pelos controles financeiros das duas propriedades semeadas pelo trio, em cidades como Cruz Alta e Tupanciretã.

O fato de não poder contar com seguro para esse plantio extra sobre a lavoura de milho também pesou na decisão, diz Vivian, mas ela lamenta a falta de uma alternativa para a garantia da renda perdida. Foi após sentir nos bolso os efeitos da seca que destruiu lavouras por todo o Estado entre 2004 e 2005 que o trio passou a contratar seguro contra perdas em ao menos parte da área semeada. E essa alternativa tem aumentado nos últimos 10 anos.

No atual ciclo, para eles, os custos com aquisição de seguro agrícola somaram próximo de R$ 100 mil. Foram 388 hectares de milho segurados, de um total de 550 hectares, e 615 hectares de soja de um total de 1,9 mil hectares. Segurar uma parte maior da lavoura de soja seria inviável, assegura Vivian, produtora rural e contadora, que coloca tudo na ponta do lápis.

“O seguro avançou muito em 10 anos, mas ainda é restrito às despesas diretas como sementes, defensivos e fertilizantes, e deixa de fora os custos fixos que temos com diesel, manutenção de máquinas e funcionários. Também não compensa os ganhos que não teremos”, pondera a contadora.

Ainda que seja um defensor e entusiasta do seguro, o responsável pela área de política agrícola da Emater, Célio Colle, alerta que o serviço é apenas uma das ferramentas da prevenção de riscos e perdas, que deve incluir também irrigação e cuidados com o solo. “O seguro é importante, mas melhor ainda é não precisar usá-lo. Da mesma forma que ocorre com um carro, ninguém contrata seguro querendo acionar o serviço depois”, compara Colle.

Usar o crédito, no entanto, pode ser um recurso frustrante e caro, aponta o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, que critica os baixos percentuais cobertos com subvenção e os valores pagos pelos sinistros. Ele cita, como exemplo da disparidade, o caso de um orizicultor de Camaquã que, na safra passada, recebeu R$ 1 mil por hectare perdido, mas teve um custo próximo de R$ 6 mil por hectare. Isso porque o seguro cobre 60% do valor do custeio, e o financiamento representa metade, muitas vezes, do que produtor gasta.

Além disso, enumera o presidente da entidade, o percentual indenizado é de, no máximo, 70% do valor do financiamento. “É por casos como esse que muitos produtores não acreditam no seguro. Precisamos melhor esse modelo, para que seja realista”, reivindica o presidente da Federarroz.

Seguradoras privadas ampliam presença no setor agrícola

De olho em um mercado crescente, a proteção de lavouras desperta cada vez mais o apetite de seguradoras privadas. E o Rio Grande do Sul é um dos principais focos. Há cinco anos, apenas oito empresas atuavam com esse produto, conta Cátia Rivelles, membro da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg). Em 2019, já eram 14 companhias disputando esse nicho.

“No seguro rural com subvenção, o Rio Grande do Sul é o segundo demandante, atrás do Paraná. Mas, no seguro rural como um todo, o Estado, com e sem subsídio, é o primeiro da lista neste ano e deve crescer ainda mais”, projeta Cátia. Um dos destaques no Estado é o setor de frutas, bastante afetado por granizo e outras intempéries. Uva e maçã, especialmente, tem aplicado mais recursos e também registrados mais sinistros, diz a executiva.

Em 2019, os gaúchos gastaram R$ 100 milhões a mais com a modalidade do que em 2018, passando de um total de prêmios de R$ 365,8 milhões para 464,8 milhões até novembro de 2019. “E ainda não estão computados os números de dezembro, que certamente tiveram alta depois dessa estiagem”, ressalta Cátia.

Fonte: Jornal do Comércio

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