Brasil produz comida para alimentar até 1,6 bilhão de pessoas

Em uma história e trajetória que reúnem recursos naturais abundantes, ciência e empreendedorismo, especialmente por parte de agricultores gaúchos, em 40 anos o Brasil deixou de ser importador para se tornar um dos maiores produtores e exportadores globais de alimentos. Por isso, neste dia 16 de outubro, quando se comemora o Dia Mundial da Alimentação, o agronegócio nacional também merece uma salva de palmas.

O Brasil é hoje o segundo maior exportador de alimentos, atrás apenas dos Estados Unidos. O campo fez a sua parte, e muito mais. O Brasil ampliou sua produção de grãos, por exemplo, em 500% nas últimas quatro décadas com um aumento de apenas 70% na área plantada, de acordo com a Embrapa.

Nos anos 1970, o País ainda dependia de doações de organismos internacionais para nutrir adequadamente toda a população. No final daquela década, eram 37 milhões de hectares destinados à produção de grãos, de onde se colhia basicamente 37 milhões de toneladas. Era, portanto, uma proporção de 1 por 1 (um milhão de toneladas para cada um milhão de hectares). Na mais recente safra, 2019/2020, foram 250 milhões de toneladas de grãos em 63 milhões de hectares. Ou seja, essas proporção passou para 3,8 milhões de toneladas para cada 1 milhão de hectares semeados.

Hoje, o País produz comida suficiente para estimados 1,6 bilhão de pessoas, ou seja, um excedente de 1,4 bilhão, já que somos 200 milhões, destacam, em coro, representantes da Embrapa e da Federação de Agricultura do Estado (Farsul). Olhando para o futuro, é o Brasil a maior aposta global para que, em 2050, exista alimentos para todos no planeta.

Ladislau Martin Neto, físico e pesquisador da Embrapa, diz que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação (FAO) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico apostam no Brasil para suprir a alta de 70% na demanda por comida no mundo até 2050. Destes 70%, conta Martin Neto, FAO e OCDE indicam que 40% têm o Brasil como a origem esperada.

Ladislau Martin Neto explica que a ciência foi fundamental para que os recursos naturais pudessem ser aproveitados; Foto: Embrapa/Divulgação

Como o Brasil conseguiu essa incrível ascensão como potência alimentar mundial é algo que precisa ser explicado por diferentes aspectos. A abundância de recursos naturais de água e solo e a própria questão solar, que caracteriza um país tropical, são apenas alguns dos fatores. Estes, destaca Martin Neto, foram elementos essenciais, mas porque junto a isso vieram a ciência e a pesquisa agropecuária. Só assim se conseguiu chegar a uma adequada agricultura nos trópicos com grãos exóticos à região, como soja, milho e arroz. Nenhuma destas tão presentes nas lavouras, atualmente, são nativas do Brasil. “O nosso grande diferencial foi, na verdade, gerar uma agricultura desenvolvida para os trópicos, adaptada às nossas características, baseada em ciência e tecnologia”, elogia Martin Neto.

Até os anos 1980, lembra o pesquisador, quando se olhava para o Centro-Oeste brasileiro, a região do Cerrado era apenas uma área de 200 milhões de hectares com solo considerado imprestável. Onde hoje é um dos maiores produtores de grãos do País, o solo era muito ácido, com alta toxidez de alumínio, além de baixa fertilidade natural e um regime de chuvas extremamente complexo. Foi nesta época que o Brasil começou a fazer uma agenda de trabalho pesquisa e estudos específicos para avançar nesta região e superar tantos limitantes. Foi também quando surgiu a Embrapa e outras entidades de pesquisas estaduais e universitárias voltadas ao agronegócio.

“Hoje em dia, depois de pronto, parece simples. Basta aplicar calcário, fertilizantes naturais e boas técnicas de manejo. Mas foi um trabalho bem mais amplo que permitiu ao Brasil ganhar escala de produção. E muito disso foi levado a cabo por agricultores gaúchos em seu empreendedorismo e migração rumo ao centro do País”, destaca Martin Neto.

Adaptação de grãos ao clima e o plantio direto ditaram o futuro

Foto: Paulo Odilon Kurtz/Embrapa/Divulgação

Além da qualificação do solo no Cerrado brasileiro, foram necessários anos de melhoramento genético em sementes para que o Brasil alcançasse os atuais patamares de produtividade. A soja, oriunda da China; o milho, vindo de regiões mais frias; e o arroz, do Sul da Ásia, passaram por décadas de adaptações em laboratórios, seleções naturais e desenvolvimento de novas cultivares para o clima tropical.

“Isso tudo não é algo trivial, leva tempo. Se pode até dizer que hoje, por trás de um grão de soja, por exemplo, existe tanta tecnologia quanto num chip. E não é muito diferente em outros grãos”, compara o físico da Embrapa.

Também foi a adaptação a um modelo exótico de plantio, o europeu, que determinou o avanço da produtividade nos grãos no Brasil, na opinião de Ladislau Martin Neto, pesquisador da Embrapa, e de Antonio da Luz, economista da Farsul. Novamente, uma iniciativa capitaneada por produtores do Sul do Brasil, que criaram e difundiram País afora o chamado plantio direto.

Berço do plantio de grãos no Brasil, a Região Sul importou, juntamente com os imigrantes da Europa, um modelo de plantio pouco adequado ao nosso clima. Na Europa, explica o pesquisador da Embrapa, com um inverno rigoroso e de grande duração, era comum revolver a terra com arados e gradagem antes de um novo plantio. “Isso era necessário para plantar e recuperar nutrientes que ficavam por baixo do solo congelado. Aqui, com chuvas diferenciadas e em alta densidade, essa técnica levou a um grande processo de erosão e impacto nas áreas produtivas”, conta o pesquisador.

Entra em cena, então, a implantação em larga escala do plantio direto, uma revolução agrícola nacional, como classifica Luz. Ou seja, trabalhar com a cobertura do solo com palhagem e leguminosas e a rotação de culturas para evitar o revolvimento do solo, preservando melhor a umidade e os nutrientes e a própria terra. Assim, os agricultores deram mais um salto de produtividade.

“Hoje são mais de 30 milhões de hectares sobre o plantio direto. Isso equivale a mais da metade da área cultivada com grãos no Brasil e uma nova agenda agrícola para o País”, destaca Martin Neto.

Mais tecnologia e qualificação finalizam o ‘pulo do campo’

Foto: Wenderson Araujo/CNA/Divulgação/JC

O economista da Farsul, Antonio da Luz, destaca que o salto da produção nacional ocorreu também graças à mecanização acelerada, com colheitadeiras e plantadeiras que, com mais precisão, trouxeram melhor aproveitamento da área semeada e colhida. “Além de plantar na proporção ideal, o produtor também passou a colher melhor, sem perdas que antes chegavam a até 10%”, diz Luz.

O grande pulo, assegura o economista, ocorreu nos anos 2000, com a entrada do cultivo de transgênicos, químicos mais eficientes e avanço tecnológico do maquinário e da biotecnologia. “Entre 1989 e 2019 se deu um grande ganho de escala, quando dobramos a produção com apenas 16% a mais de área”, compara o economista. Outro fator decisivo foi a qualificação do agricultor em programas do Senar e apoio técnico mais presencial por órgãos como Emater, de extensão rural.

Fonte: Jornal do Comércio

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