México descobre a voz de Frida Kahlo

Governo mexicano descobre registro radiofônico que pode ser o único existente da pintora

O enigma sobre a voz da pintora mexicana Frida Kahlo começou a ser elucidado na última quarta-feira no México. A Fonoteca Nacional tornou pública uma gravação radiofônica na qual a artista recita fragmentos de Retrato de Diego, um texto que escreveu em 1949 para descrever o marido, o também pintor Diego Rivera. O Governo mexicano mostrou a descoberta com cautela, afirmando que os estudos indicam que se trata da voz de Kahlo, mas reconhecendo que não conseguiu confirmá-lo totalmente. “É uma descoberta que tem muitos elementos que podem ser identificados como a provável voz de Frida Kahlo, sem dar 100% de certeza”, explicou a secretária de Cultura, Alejandra Frausto.

Dois minutos em que uma voz de pausa tranquila e timbre doce descreve Rivera física e intelectualmente: “Ele é um menino grande, imenso, com rosto amável e olhar triste. Seus olhos saltados, escuros, inteligentíssimos e grandes quase não param, estão quase fora das órbitas por causa das pálpebras inchadas”. A gravação faz parte de um dos programas que o locutor Álvaro Gálvez y Fuentes, conhecido como El Bachiller, produziu em 1956 para a rádio XEW. El Bachiller era conhecido naquela época por conseguir entrevistas exclusivas com personagens da cultura como Xavier Villaurrutia, Alfonso Reyes, José Revueltas, Sara García, Consuelo Velázquez e Jorge Luis Borges, entre outros.

A descoberta aconteceu em janeiro deste ano, quando o diretor da Fonoteca Nacional, Pável Granados, viajou para a cidade de Huamantla (Estado de Tlaxcala, no centro do México) para se encontrar com o locutor da XEW Manuel de la Vega, que lhe garantiu que tinha uma gravação em que Diego Rivera cantava. Ao rever o material, Granados se surpreendeu ao encontrar o fragmento em que Kahlo recita. “Um dos indícios que temos é que o próprio Bachiller diz na gravação que se trata de Frida Kahlo”, explica o diretor da Fonoteca.

A gravação foi submetida a um estudo e, por meio da análise das ondas sonoras, ficou descartado que a voz é de uma locutora profissional, pois se ouve claramente a mulher tomar ar para respirar em várias ocasiões e “tende ao ceceo” [pronúncia do s com som de z]. Além disso, explicou Granados, foi identificado que o áudio foi gravado com um aparelho portátil e fora de um estúdio profissional de rádio. O programa teria sido transmitido alguns anos depois da morte da pintora e pouco antes da morte de Rivera. A fotógrafa francesa Gisèle Freund, que retratou a pintora em 1950, chegou a descrever sua voz: “Frida fuma, ri, fala com uma voz melodiosa e quente”.

A investigação se estendeu a questionar aqueles que conheceram a pintora e ainda estão vivos. Granados diz que Guadalupe Rivera Marín, filha de Diego Rivera, reconhece a gravação como a voz de Kahlo, enquanto Esteban Volkov, neto de Leon Trotsky, tem suas dúvidas sobre o assunto. “É possível lembrar-se de uma voz depois de 60 anos sem ouvi-la?”, pergunta Granados. “A idade não me permite lembrar se Frida falava assim”, comenta Carlos Pellicer, sobrinho do escritor homônimo que fez parte do testemunho da obra de Diego e Frida.

A gravação agora faz parte do acervo da XEW, propriedade da Televisa Radio, que foi entregue à Fonoteca Nacional para sua conservação. O conteúdo já foi digitalizado, embora a fita de rolo original também esteja sendo preservada. “É um enigma muito grande e uma busca constante”, diz Granados, que explicou que o áudio foi tornado público para ampliar a busca e encontrar mais pessoas que podem saber de outras gravações ou do timbre de voz de Kahlo. O funcionário diz que durante anos os dois pedidos de consulta mais solicitados pelos mexicanos sobre registros de voz foram a da pintora e a do herói da Independência do México, Miguel Hidalgo y Costilla.

O programa de rádio era dedicado a Diego Rivera e, com os relatos de seus amigos e colegas, El Bachiller conseguiu construir um retrato do pintor. A cereja do bolo, como se ouve na gravação, teria sido o testemunho de Frida Kahlo, que fecha a fita com palavras de profundo amor e admiração em relação a Rivera: “Vendo-o nu se pensa imediatamente em um garoto rã, parado sobre as patas traseiras, seus ombros infantis, estreitos e redondos, terminam em mãos maravilhosas, pequenas e de fino desenho, sensíveis e sutis como antenas que se comunicam com o universo inteiro. É incrível que essas mãos tenham servido para pintar tanto e ainda trabalhem incansavelmente “, diz a voz feminina.

Fonte: El País

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