Formalização de agroindústrias ainda é um desafio

Sucesso de público e vendas, o Pavilhão da Agricultura Familiar na Expointer supera os próprios desempenhos a cada nova edição. Acostumadas com volumes na casa de R$ 2 milhões, em 2018, com a ampliação da área do pavilhão e do número de expositores, as agroindústrias registraram vendas recordes de R$ 4 milhões.Agora, a expectativa é bater a marca estipulada no ano passado. Somente no primeiro dia da feira, foram registradas, no Pavilhão da Agricultura Familiar, vendas de R$ 443 mil, valor 51,19% maior do que o registrado no primeiro dia da Expointer de 2018, segundo o governo do Estado.No Parque de Exposições Assis Brasil, existe uma amostra da qualidade e dos sabores regionais, encontrados em pães, cucas, salames, queijos, compotas, doces e tantos outros itens característicos da cultura gaúcha. Este, entretanto, não é o panorama daqueles que ainda atuam na informalidade.

Atrás de cada um dos 316 espaços de comercialização, ocupados em 2019 por 327 estabelecimentos de 139 municípios do Rio Grande do Sul, existem histórias que refletem as dificuldades, os desafios e as políticas públicas necessárias para impulsionar a abrangência das formalizações no setor.Em seis anos, o número de cadastros no Programa Estadual de Agroindústria Familiar (Peaf) avançou 135% – passando de 1,4 mil em 2013 para 3,3 mil atualmente. Do total, somente 1,3 mil estão devidamente habilitadas. Por isso, ainda há muito trabalho pela frente.O diretor do Departamento de Agricultura Familiar da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), José Alexandre da Silva Rodrigues, revela que a legalização e a transformação são os principais entraves. “O programa busca formalizar agroindústrias que trabalham desta forma, muitas vezes, por desconhecimento. A produção está no nosso DNA e também buscamos incentivar o produtor que já tem uma criação de suínos, por exemplo, a produzir embutidos”, resume o diretor.O programa ainda atua nas prefeituras, auxiliando no ajuste normativo das legislações sanitárias. “Vamos ao município, identificamos a demanda e, junto com as administrações, criamos uma legislação específica para cada realidade. O nosso Estado patinou muitas vezes porque os médicos veterinários apenas aplicavam a legislação federal nos municípios e isso trancava o desenvolvimento das agroindústrias”, explica, ao lembrar que este tipo de ação foi realizada em mais de 100 municípios gaúchos.Por outro lado, há quem identifique o mapeamento das potencialidade como uma das ‘pontas soltas’ do processo. Segundo o assessor de políticas públicas e Agroindústria da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Jocimar Rabaioli, em razão das dificuldades econômicas, o Estado não cumpre na íntegra o seu papel. “Falta comunicação e informação para incentivar a legalização. Nos últimos anos perdemos uma Secretaria Estadual e um Ministério Federal. Por isso, hoje eu diria que estamos estagnados”, critica.Para Rabaioli, também é função dos municípios buscar a implantação de políticas capazes de reverter o cenário. Ele cita o exemplo de Santo Antônio da Patrulha – cidade de 42 mil habitantes que possui 32 agroindústrias e selos de produção reconhecidos. “Isso é fruto de programas e políticas públicas desenvolvidos em esfera municipal. Eu diria que o principal é manter o que já tínhamos e ampliar as políticas públicas. Hoje, o programa está praticamente focado no apoio às feiras. É preciso ir além”, comenta.

Maior acesso ao mercado é um dos benefícios da legalização das empresas familiares

Antes de expor os produtos nos concorridos estandes da Expointer, os proprietários das agroindústrias familiares precisam vencer uma série de etapas. Nem sempre é algo rápido e, em alguns casos, o investimento pode ser alto – não apenas para os produtos de origem animal.

O primeiro passo é a obtenção do Sim (Sistema de Inspeção Municipal). Em seguida, é preciso solicitar a inclusão no Susaf (Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte). Uma vez inserida no Programa Estadual, a agroindústria está habilitada a acessar novos mercados. Os destaques são a participação em feiras, como a Expoiner e a Expodireto, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Sinalir José Dotto, proprietário da Dotto Sucos Naturais, é um dos exemplos. Há cinco anos, ele realizou um aporte de quase R$ 500 mil para edificar uma agroindústria de processamento de frutas em Itaqui. O resultado são três variedades de sucos naturais: laranja, bergamota e uva – este último concorrendo entre os melhores da feira em 2019.

Em sua primeira Expointer, Dotto espera vender 2,3 mil litros. Desde a formalização, 3 anos atrás, angariou oito pontos de venda e destina parte da produção para abastecer a rede de Ensino Público de quatro municípios, dentro do PNAE. O programa estipula que no mínimo 30% dos recursos do FNDE sejam utilizados para aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar. Em alguns casos, isso ocorre com dispensa de licitação. Mesmo assim, não é incomum que municípios deixem de atender suas próprias demandas em razão da informalidade das agroindústrias.

Assim como Dotto, outras 54 agroindústrias venceram todas as etapas da formalização em 2018 e foram habilitadas a estrear em Esteio na 42ª edição da Expointer. Mais experiente, Ana Paula de Moura, frequenta a feira desde 2014. É proprietária de duas agroindústrias – a Dafla de pães, cucas e farináceos, e a ALM de carnes e embutidos. Natural de Santo Ângelo, cidade que possui 28 agroindústrias, além das feiras, conta com 32 pontos de venda para os pães e cucas.

Nas carnes e embutidos, realiza vendas institucionais para o Exército que garantem entregas mensais de 150 kg de costela de porco e 50 kg de copa nos quartéis da região. “Começamos com pães, cucas e biscoitos em produção artesanal. A segunda, apesar de mais complexa, foi mais fácil de implantar, pois já tínhamos o conhecimento. Eu diria que, mais do que a possibilidade de acessar novos mercados, o processo de formalização é fundamental para acabar com o medo de produzir na ilegalidade e acabar no alvo de alguma ação de fiscalização”, aconselha.

Fonte: Rafael Vigna/Jornal do Comércio

Foto: Mariana Carlesso/ Jornal do Comério

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