Da soja ao etanol, Brasil vai ter que se equilibrar entre desafios e oportunidade da guerra comercial

A guerra comercial entre China e Estados Unidos tem causado efeitos que vão muito além das consequências que podem ser vistas a olho nu ou nas reações diárias que são sentidas pelos mercados financeiros. A produção de alimentos está no centro das discussões e, de de acordo com especialistas, as compras desses produtos por parte dos chineses são, neste momento, talvez uma de suas armas mais poderosas contra Donald Trump. 

A base eleitoral do presidente norte-americano passa muito pelo setor agrícola dos EUA e este tem sido um dos mais afetados pelo conflito, se não o mais. A crise sentida pela agricultura é uma das piores em décadas e as feridas levarão anos para cicatrizar, ainda de acordo com analistas e consultores. E 2020 é ano de eleição paresidencial nos Estados Unidos. 

“A China está assumindo uma postura de retaliação, isso vai afetar a base eleitoral de Trump no Meio-Oeste, e ela (China) vai direcionar suas compras para Brasil e Argentina no que for possível, Rússia na questãde trigo e canola, talvez Ucrânia, e do Brasil, soja e milho, com certeza”, explica o analista de mercado Fernando Pimentel da Agrosecurity Consultoria. 

As oportunidades para o agronegócio brasileiro, por tanto, foram atualizadas e intensificadas depois dos últimos movimentos dos dois países. E essas oportunidades vão bem mais longe do que somente o mercado da soja. Além da desvalorização de sua moeda, o yuan, a China ainda suspendeu suas compras de produtos agrícolas nos EUA, o que foi confirmado pelo Ministério do Comércio chinês na madrugada desta terça-feira. 

MILHO

Pimentel cita o milho como uma dessas oportunidades para o agronegócio brasileiro na disputa China x EUA. Não só pela preferência dos chineses pelo produto do Brasil, mas também pela vantagem cambial com que o produto nacional conta agora. O real voltou a se desvalorizar nos últimos dias, voltou a superar os R$ 3,90, e isso torna o cereal ainda mais competitivo na exportação.

“Podemos ter um movimento muito rápido de exportação, porque agora começamos a ter uma redução no movimento de soja, o que deixa os portos praticamente livres para acelerar a exportação de milho. Falo em coisa de três, quatro meses, porque não podemos perder de vista que esse movimento do chinês também vai gerar inflação lá, isso também tem um efeito colateral na economia deles, porque no momento em que desvaloriza sua própria moeda e continua importando insumos para sua indústria ou alimentos, vai pagar mais caro em moeda local”, explica o analista da Agrosecurity.

Para Tarcilo Rodrigues, diretor da Bioagência, a possibilidade de um aumento considerável da inflação na China depois de suas últimas medidas é o que causaria, portanto, esse “equilíbrio instável”, como classifica o atual momento. E dessa forma, sua orientação é de que o Brasil “não pode entrar em pânico”. 

“Em uma semana tivemos a impressão de que o mundo acabou, há um pânico, mas as coisas vão se acomodando. Temos que ter frieza neste momento”, diz. 

Fernando Pimentel

Fernando Pimentel dá entrevista a João Batista Olivi durante Congresso Brasileiro do Agronegócio

COMBUSTÍVEIS

A guerra comercial travada pelas duas maiores potências econômicas mundiais têm efeitos nas commodities de uma forma geral e para o petróleo não foi diferente. Somente nesta segunda-feira (5), com o caos instalado entre os mercados, o petróleo brent caiu 3% e fechou os negócios com menos US$ 60,00 o barril. 

“O primeiro impacto é uma redução do preço do petróleo e isso impacta a gasolina brasileira, que é também cotada com um uma referência do petróleo internacional, por outro lado, tivemos a depreciação da nossa moeda, que é um outro fator que compõe o preço da gasolina e ao qual o preço do etanol tem de estar sempre atrelado, porque é o grande concorrente”, explica Rodrigues. 

Assim, com incertezas que acabam por pesar também sobre esse setor, o produtor também terá de esperar para definir suas estratégias, como o aumento de área de cana-de-açúcar ou esmagar mais para aumentar a produção de etanol. 

Tarcilo Rodrigues

João Batista Olivi e Tarcilo Rodrigues em entrevista durante Congresso Brasileiro do Agronegócio

Mais do que isso, o diretor da Bioagência lembra ainda que a China também é um mercado importante e um parceiro grande quando o assunto é etnaol. “A China está para implantar um projeto grande de mistura de etanol na gasolina e hoje o mercado chinês é o segundo maior do mundo, só perde para os EUA. Então, uma mistura de etanol na China a 10% é quase o tamanho do mercado brasileiro (…) O momento é promissor e o Brasil tem que se favorecer dessa guerra”, diz. 

CAUTELA E PLANEJAMENTO

Tanto para Tarcilo Rodrigues, quanto para Fernando Pimentel, o momento exige cautela, estratégia e planejamento por parte do agronegócio brasileiro e de seus líderes. “Vamos arrumar a casa e depois voltamos a crescer e ir para fora”, diz o representante da Bioagência. 

Mais do que isso, Pimentel afirma ainda que embora o agronegócio brasileiro se beneficie, a economia – do Brasil e do mundo – vem sofrendo com o conflito, já crescendo menos e cada dia mais instável. O mercado financeiro está desequilibrado, o mercado acionário extremamente nervoso, o que reforça a necessidade da cautela. 

“A desaceleração (do crescimento da economia global) ela direciona para uma redução forte de ritmo de comércio. Se teremos uma recessão, ainda é cedo para dizer, mas as bolsas já dão sinais de que há um mal estar nesse momento”, diz. Além disso, alerta ainda para a necessidade constante de acompanhamento que o produtor tem em um quadro tão delicado como o deste momento. 

As oportunidades chegarão, mas os desafios também. A volatilidade das moedas, dos preços internacionais e das cotações para exportação deverão ser tratados com cuidado e eficiência para que os bons momentos possam ser aproveitados. 

“Isso tudo vai acelerar o movimento de exportação, seja de soja, seja de milho, algumas carnes, porque ele (comprador chinêS) vai simplesmente preterir o fornecedor norte-americano em favor do sul-americano. Todas essas questões de oportunidade de mercado que a ministra foi prospectar na China irão se acelerar”, explica o analista da Agrosecurity.

Sobre a hegemonia global que talvez tenha se tornado o principal objetivo dos dois países, Pimentel também lembra que a China é o maior demandante mundial de alimentos e que seu mercado, portanto, não traz mais do que fortes e boas oportunidades. 

“A minha leitura é inexorável de que a China vai ser  a maior economia do mundo na segunda metade desse século. Durante 13 séculos a China foi a maior economia do mundo e agora está retomando sua posição. Claro que haverá uma resistência dos EUA e de outras economias para tentar se preservar, mas é um mercado de 1,3 bilhão de pessoas que vão comer, que têm restrição de água, que precisam de proteína, que precisam de segurança alimentar. Olhando para o agronegócio, óbvio que a China é um parceiro importante, mas ainda há outros setores como minérios, energia. E gosto muito dos EUA em relação à cultura de negócios, política, livre mercado, mas pensando em oportunidade, a China desponta como o grande parceiro para o futuro”, conclui. 

Por: Carla Mendes |Fonte: Notícias Agrícolas

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